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segunda-feira, 14 de março de 2011

O que está acontecendo com as usinas do Japão?

[Obs.: Escrito pouco depois do acidente no Japão, este texto possui informações desatualizadas - para uma abordagem bem didática sobre o que aconteceu no Japão, veja esta matéria da Folha. Este post também fornece dados muito completos]

Ontem recebi pelo Facebook mensagens assim: “O que significa isso? Explodiu o reator número 3 no Japão... ” E hoje de manhã a Folha Online colocava imagens medonhas de um prédio semi-destruído (como esta ao lado), com os dizeres “Reator 3 da usina de Fukushima antes e após a explosão”.

Só que... o texto da matéria dizia que o reator estava intacto!

É só uma das confusões que andam aparecendo nos jornais brasileiros. Sem falar em outra matéria da mesma Folha Online de ontem, cujo título dizia que o Japão lutava para evitar uma... “explosão nuclear”. Como assim? Fukushima rima com Hiroshima, mas pára aí...!

Na verdade, não pode haver explosão nuclear como a de uma bomba nuclear em uma usina, porque usina e bomba usam urânios de tipos diferentes. A usina usa urânio enriquecido a 5% e a bomba, enriquecido a 95%. O urânio a 5% simplesmente não explode.

Então o que foram aqueles enormes estouros em Fukushima? Primeiro: uma coisa é o prédio do reator; outra é o reator, que fica lá dentro. Houve explosões nos prédios. Os reatores, disseram os japoneses, sobreviveram bem.

E por que explodiram os prédios? Ninguém sabe ao certo até agora, mas provavelmente tem a ver com o sistema de resfriamento. Os reatores de usinas aquecem-se naturalmente se não forem refregerados. Tal e qual em um motor de carro em funcionamento, em geral a temperatura é mantida baixa com água fria correndo por dutos por dentro de paredes de concreto ao redor do reator. Além disso, há outro circuito de vapor para movimentar as turbinas que gerarão a eletricidade. Ora, se não há energia, a água e o vapor não correm. E o terremoto e o tsunami cortaram a energia da região - e destruíram o gerador de emergência que deveria funcionar em caso de blecaute. Parada, a água também pode se aquecer e vira vapor dentro da tubulação. Se a pressão não for liberada, poderia haver uma explosão, como numa panela de pressão com válvula entupida.

[P.S. -Os prédios, porém, não explodiram por causa do "efeito panela de pressão". Os técnicos liberaram um pouco de vapor para que isso não acontecesse. Segundo a New Scientist, foi uma explosão de hidrogênio, provavelmente proveniente de reações químicas envolvendo o vapor d'água do circuito gerador de energia (não do refrigerador); o hidrogênio teria entrado em combustão quando entrou em contato com o oxigênio do ar, no momento em que liberaram o vapor.]

A ideia então é manter os reatores frios. Se esquentarem demais, derreterão e aí, sim, causarão problemas de gravidade imprevisível. Neste momento, os japoneses estão fazendo isso com água bombeada do mar, até que possam reconstruir um sistema de refrigeração mais estável. Torçamos para que tudo dê certo.

Então é isso: situação muito grave, mas nada de explosão nuclear ou reator indo pelos ares. A propósito, para uma cobertura precisa, sugiro, por exemplo, o pessoal da New Scientist (em inglês).
P.S. (13:52) - Fiz algumas alterações no texto acima, a partir de sugestões de Leopoldo Deppe e do comentário da Janaína Simões abaixo.

5 comentários:

  1. Beli, muito bom seu texto, agora entendi melhor o problema. Só não entendi ainda o que é a radiação que a imprensa diz que aumentou na região da usina. Essa radiação vem de onde? A água para resfriamento que corre nas paredes de onde está o reator tem contato com o urânio (e o plutônio, parece que um dos reatores tem esse combustível "enriquecido")? Ela teria sido o veículo emissor dessa radiação, digamos assim? Também vi que não é conhecido o efeito do uso da água do mar no resfriamento. Pelo que você sabe do assunto, acha que essa água do mar poderia ter desencadeado a explosão de hidrogênio? Abraços!

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  2. Oi, Janaína. Uma parte do vazamento de radiação não sabem ao certo por que aconteceu; vamos ter que esperar terem acesso ao reator para saber. Uma outra parte veio de quando abriram o circuito de vapor, para liberar um pouco a pressão de modo que ela não estourasse mais do que já estourou. Mas há dois circuitos independentes: a água para refrigeração e o vapor para movimentar as turbinas que geram a eletricidade. A água para refrigeração não é contaminada com radiação, ela circula longe do reator. Assim, não está em contato com o urânio. Já o vapor para as turbinas circula mais perto do reator e pega radiação - e é esse que teve que ser liberado. Por isso, um pouco de radiação foi liberada para a atmosfera. Então a água do resfriamento não teve nada a ver com a radiação. Nem tampouco com a explosão do hidrogênio, que veio do outro circuito. Agora vi que isso ficou confuso no texto, vou consertar.

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  3. Valeu pelas explicações Beli, vou indicar seu site pro meu pai, ele andou me perguntando sobre o assunto, não entendeu o que entrava em contato com o combustível nuclear, se o vapor e/ou a água de resfriamento. Você está virando assessor científico dos repórteres!!! Adorei o outro post que escreveu. Abraços!

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  4. Não ficou muito obm ñ eu ,ñ gostei ñ tá vcs ñ souberam explicar direito

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  5. Bom, a gente faz o que pode... :) Na verdade, o que ocorreu foi que o tsunami e o terremoto detonaram com o sistema de refrigeração da usina. A usina nuclear tem o reator, que é o que produz a energia elétrica, e tem também água ao seu redor para resfriá-lo - senão, ele esquenta, derrete e libera radiação para o ambiente. O que seria péssimo. Tem que haver uma máquina, uma bomba para fazer a água circular, senão a coisa toda esquenta - tipo quando acaba a água do motor do carro. Os japoneses tentaram de todo jeito manter o reator frio até que finalmente conseguiram consertar o sistema de refrigeração (na verdade, o que pifou era o gerador de energia para esse sistema; foi ele que consertaram). O próximo passo agora é ver os estragos, quanta radiação saiu e como descontaminar o ambiente.

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