Ciência & cultura, ciência & arte, ciência & política, ciência & sociedade, ciência & não-ciência... enfim: ciência & crítica

sábado, 19 de março de 2011

Cem anos de revolução em ciência, arte e filosofia

"Um século de conhecimento:
arte, filosofia, ciência e tecnologia no século XX"
Samuel Simon (org.)
Editora da UnB (2011)
Sim, mais uma história do conhecimento no século XX – mas agora há uma diferença: ao invés de restringir-se às ciências puras e à tecnologia, abre-se uma extraordinária amplitude de 31 temas apresentados em ordem alfabética, que incluem também filosofia e arte – desde as teorias sobre administração ate a teoria literária, passando por química, sociologia, museologia, engenharia de minas, música, computação, história, engenharia aeroespacial, cinema etc...

Cada capítulo é escrito por um autor diferente e os temas são tratados com profundidade, citando referências – e às vezes até um pouco herméticos, como os de física, que incluem equações com derivadas parciais. A ordem alfabética, os temas sucedendo-se sem conexão, tornam o livro delicioso de se folhear.

Foi essa concepção “alargada” de conhecimento que me atraiu para esse volume de 1280 páginas. Não é comum considerar nessa categoria técnicas e estilos artísticos e elucubrações filosóficas. No entanto, são áreas com muitas portas para serem abertas e instigantes regiões novas para serem exploradas, e que contribuem para a visão de mundo do ser humano e para a compreensão de si mesmo e do seu lugar na sociedade e no universo – pré-requisitos fundamentais para que possam construir vidas melhores.

E ainda por cima não sucumbe à armadilha em que caíram outras pretensas abordagens ecléticas, que acabaram numa forte desproporção em prol de alguma das super-áreas – em geral a da ciência e tecnologia. Neste livro, o organizador, o filósofo Samuel Simon, conseguiu um equilíbrio surpreendente e raro.

Foi manifestamente um projeto ousado, pois a quantidade de coisas que aconteceram no último século em termos de conhecimento é colossal. Algumas áreas inteiras simplesmente passaram a existir no limiar do século XX, como o cinema, a computação ou a sociologia, ou então tomaram a forma que hoje conhecemos naquela época, como a engenharia aeroespacial. Grandes revoluções aconteceram nas ciências, nas artes e na filosofia. Pense na arte moderna, nos inúmeros movimentos filosóficos, nas revoluções da física quântica e da biotecnologia...

Enfim, um atrativo quase irresistível para mentes curiosas com pendores enciclopédicos.

sexta-feira, 18 de março de 2011

A geografia das citações científicas

Apareceram na Internet três interessantes mapas-múndis interativos classificando as cidades de acordo com as citações de trabalhos científicos publicados a partir de pesquisas feitas em cada uma - em física, química e psicologia.

Os círculos em vermelho indicam as cidades que têm menos citações que o esperado se ela seguisse a média mundial. Ou seja, se mais do que 10% dos artigos dessa cidade estiverem entre os 10% mais citados do mundo, então ela sai com cor verde. Se for menos, ela sai em vermelho.

Os mapas foram feitos por Lutz Bornmann, da Sociedade Max Planck em Munique, Alemanha, e por Loet Leydesdorff, da Universidade de Amsterdã, na Holanda. No seu artigo no ArXiv, publicado aonteontem, eles contam que contabilizaram milhares de artigos publicados em 2008 (9950 de física, 10460 de química e 15142 de psicologia) e deram-lhes um tratamento estatístico com um programa de computador disponível publicamente.

Infelizmente, os números do Brasil ficaram bastante distorcidos porque a expectativa da quantidade de publicações entre as “10% mais” de cada cidade é muito pequena, o que infla bastante os resultados, por causa da natureza dos cálculos estatísticos. De fato, os autores consideram significativos apenas os casos em que a expectativa é maior do que 5 artigos. O único caso do Brasil acima desse limite é São Paulo em psicologia, com 7 trabalhos encontrados entre os 10% mais, com uma expectativa de 9,1 – o que os autores consideram estatisticamente “dentro do esperado” (não há muita diferença entre os dois números).

Mas é notório para o Brasil o baixo número de trabalhos emplacados no topo, a ponto de locais importantes como Campinas, sede da Unicamp, não aparecem – portanto, não devem ter emplacado nenhum.

No mundo, o pior desempenho foi o de Moscou em química, com apenas 5 citações observadas no topo, apesar de uma expectativa de 47,9 citações. Inversamente, Berkeley, na Califórnia, teve 34 entre os 10% mais em física, de uma expectativa de apenas 6,3.

Interessante também como os trabalhos em psicologia se concentram mais nos Estados Unidos e na Europa, em comparação com os de física e química, mais bem distribuídos pelos países em desenvolvimento – apesar de uma surpreendente concentração na África, principalmente em uma pequena zona envolvendo áreas da Tanzânia, do Quênia e de Uganda (mas também no sul – África do Sul, Botsuana e Zimbábue).

O que me chamou a atenção para esse trabalho foi o blog do Arxiv.
Veja também: [O mapa da] Ciência global, por Bernardo Esteves.

quinta-feira, 17 de março de 2011

A importância das ciências sociais para o desenvolvimento

Até que enfim alguém disse isso! Foi num artigo de Jonathan Harle, da Associação de Universidades da Comunidade Britânica, para o Scidev. Ele se centra na socidade africana, mas as lições são muito gerais. Logo no início, ele adverte: "Os avanços nas ciências naturais sozinhos não levarão ao desenvolvimento: as pessoas e suas sociedades são mais complexas que isso."

Sim, na contra-mão da mentalidade tecnologicista atual, é necessário também investimento em ciências sociais. Uma boa razão é que "as reações das pessoas à ciência e à tecnologia são influenciadas pela sua cultura, pelas suas instituições e pelas suas crenças", nas palavras de Harle. Por exemplo, para as novas técnicas agrícolas poderem combater a fome eficientemente, elas precisam ser acompanhadas de conhecimentos sobre como as pessoas manejam sua própria insegurança nutricional.

Mas há muitos outros motivos, que chegam a ser evidentes - mas precisam ser ditos. A prevenção e o combate às doenças precisa tanto de médicos como se sociólogos. A melhoria das condições nas grandes cidades precisa não só de engenheiros, mas também de gente com conhecimento suficiente em redes sociais (falo das reais, não das virtuais!) e sobre mudanças de espaços urbanos. O conceito de rede social é central nas abordagens sociológicas e há várias disponíveis, adaptadas para vários casos.

O autor cita também conhecimentos sobre novas formas de liderança e governo; eu daria igualmente ênfase nas estratégias de formulação e gestão de políticas públicas, aliadas a técnicas de diagnóstico e dimensionamento de problemas sociais - o que inclui pesquisas de campo, principalmente de cunho demográfico, a fim de garantir que as estratégias sejam adequadas à realidade o mais possível. Lembrando que as pesquisas "de cunho demográfico" são interdisciplinares - para que seus resultados tenham algum significado e possam ser transformados em ações concretas, precisam ser articulados com conhecimentos antropológicos e modelos sociológicos.

Diante do caráter fortemente multiétnico de grande parte dos países africanos, para dar conta das respostas das pessoas às novas técnicas científicas é preciso conhecimento a respeito de suas percepções sobre sua identidade cultural. Isso implica em estudos antropológicos e sobre história.

Nem só na África. Lembremos que o Brasil também é multiétnico.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Corrida pelo bóson de Higgs

Quem finalmente encontrará o famigerado bóson de Higgs? Os europeus apostam no Large Hadron Collider, ou Grande Colisor de Hádrons (LHC), em Genebra, o maior acelerador de partículas do mundo. Os estadunidenses, no Tevatron, o segundo maior, em Batavia, no Illinois (figura ao lado). A última cartada foi deste último, nesta semana - não o encontraram, mas conseguiram apertar ainda mais o cerco.

Diz-se "competição", mas não é daquele tipo que cause transtornos. É algo amigável, tão boa quanto uma boa cooperação. A razão do frenesi é que o bóson de Higgs é a última partícula prevista pela teoria cuja existência ainda não foi confirmada por experimentos.

Se ela não for encontrada, será necessário rever boa parte do "Modelo Padrão", o prosaico nome da teoria atual sobre as partículas elementares. A razão é que, para ser compatível com a existência de partículas com massa, o Modelo Padrão precisa incluir um artifício teórico chamado “mecanismo de Higgs” – que tem como conseqüência colateral a necessidade da existência de partículas novas, chamadas “bósons de Higgs”. Se não, na teoria haveria apenas partículas sem massa, que se reduziriam a “pacotes” de energia viajando pelo espaço (como os fótons de luz). Por isso, diz-se que os bósons de Higgs são “responsáveis” pela massa das partículas elementares.

Assim, se o bóson não for encontrado, o tal mecanismo não existiria, e então os teóricos teriam que imaginar algum outro para dar conta das massas – o que poderia levar a novas teorias e previsão de novos fenômenos desconhecidos.

A busca se guia pela massa do próprio Higgs. Ninguém sabe quanto é, de modo que os experimentos têm que sair explorando diversas faixas de valores para ver se enxergam algo. À medida que não é encontrado, os valores possíveis vão se restringindo. Atualmente, está entre 123 e 198 vezes a massa de um próton (ou seja, entre 114 e 185 GeV/c2). A última cartada foi do Tevatron, na última semana. Segundo o seu boletim informativo, os grupos de pesquisa CDF e DZero conseguiram excluir a faixa entre 158 e 173 GeV/c2.

Aos poucos, o cerco vai se fechando. Em pouco tempo veremos se realmente existe algo se escondendo dentro dele.

terça-feira, 15 de março de 2011

Ajuda a jornalistas sobre radiação, usinas nucleares etc.

Uma jornalista me pediu ontem à noite algum material básico sobre nível de radiação, combustíveis nucleares, possíveis efeitos no organismo etc. Neste post, vou compartilhar as informações que reuni. Este texto não substitui as fontes, evidentemente; a ideia é servir de orientação inicial.

As apostilas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) são bastante informativas e têm ótimos diagramas.

Nesta aqui:
http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/rad_ion.pdf
na pág. 32, tem uma tabela com efeitos da exposição do organismo à radiação. O parágrafo que a precede também dá um resumo é bastante esclarecedor sobre os efeitos da radiação ionizante sobre o ser humano ("radiação ionizante", na prática, pode ser identificada com a radiação capaz de causar danos às moléculas que compõem o corpo humano, inclusive o DNA).

Nesta outra:
http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/energia.pdf
a partir da pág. 15, há um capítulo sobre como funcionam reatores e usinas nucleares (com ênfase na de Angra, que é diferente da de Fukushima I, cujo esquema está na figura inicial deste texto) e também, na pág. 22, segurança nos reatores nucleares. Na pág. 26, há explicações sobre o que aconteceu nos acidentes de Three Miles Island e de Chernobyl.

Nesta outra:
http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/radio.pdf
Na pág. 16, tem uma seção sobre o acidente nuclear de Goiânia.

Obs.: Repare-se que os reatores de Fukushima I, no Japão, não são do mesmo tipo que o de Angra (que é do tipo PWR; os de Fukushima são do BWR).

Esses PDF vieram daqui:
http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas.asp


[novo] Obs.: Atenção para alguns erros comuns. O principal deles é que um reator nuclear poderia produzir uma "explosão nuclear". Apesar de parecer etimologicamente correto, não se pode dizer que a explosão em um reator nuclear é uma "explosão nuclear", pois esse termo está reservado para a explosão de bombas nucleares. E já há uma identificação errônea em muitas pessoas do público em geral entre usinas nucleares e bombas nucleares. São diferentes porque usam urânios de tipos diferentes. A usina usa urânio enriquecido a 5% e a bomba, enriquecido a 95%, com pequenas variações ao redor disso. Acontece que o urânio a 5% simplesmente não explode. A explosão de Chernobyl, p. ex., foi de natureza química, não nuclear. A radioatividade veio porque a força da explosão atirou material radioativo pulverizado para a atmosfera.


O sievert

Sobre unidades de medida de radiação: normalmente, diz-se "o nivel de radiação perto do prédio do reator é de tantos sieverts". Pode-se dizer que o sievert é uma unidade de medida para nível de radiação que leva em conta o seu efeito sobre os tecidos vivos. Definições de sievert podem ser encontradas facilmente na Internet, mas pode haver alguma confusão com a complexidade das várias medidas de níveis de radiação. Talvez a discussão abaixo ajude.

O caso é que há pelo menos quatro conceitos envolvidos:
  • A atividade de uma fonte radioativa, que depende da quantidade de material radioativo existente na fonte (a fonte pode ser, p. ex., o urânio do reator)
  • A exposição de um corpo à radiação - que depende da distância do corpo à fonte radioativa
  • A dose de radiação absorvida por um corpo - é diferente do conceito anterior, pois parte da radiação atravessa o corpo de lado a lado e vai embora sem causar danos, e parte é absorvida - e é essa que causa danos. Ora, na prática, estamos interessados na parte absorvida, porque é a que se relaciona com os efeitos biológicos da radiação.
  • A medida da dose equivalente de radiação absorvida por um tecido vivo - o caso é que diferentes tipos de radiação têm diferentes efeitos nos tecidos vivos - p. ex., a radiação alfa causa menos estrago que a gama, se vier de fontes externas ao organismo. Então, simplesmente mencionar a dose absorvida não é suficienete para as necessidades práticas da medicina. Deve ser incorporada na definição da unidade de medida um fator que represente o efeito de cada tipo de radiação no organismo.
O sievert é uma unidade de medida relacionada ao quarto conceito - a dose equivalente de radiação absorvida por um tecido vivo.

Dizer que o nível da radiação a xis metros do prédio da usina é de tantos sieverts significa que um organismo vivo colocado ali absorveria uma dose de tantos sieverts de radiação.

Uma unidade mais antiga que o sievert, mas ainda usada, é o rem (de "roentgen equivalent man"). A relação entre rem e sievert é: 1 Sv = 100 rem.

Milissieverts - Assim como falamos em milímetro, miligrama e mililitro, também falamos em milissieverts (mSv). Um mSv = um milésimo de Sv.

[novo] Microssieverts - Também vem aparecendo nos jornais a unidade microssievert (μSv). Isso significa um milésimo de milissieverts. Logo, 1 μSv = 0,001 mSv = 0,000001 Sv. Inversamente, 1 Sv = 1000 mSv = 1.000.000 μSv. Cuidado! Muitos jornais colocam "mSv" como representando microssievert. Atenção para não entender errado, veja se o número é consistente com o contexto.

[novo] Milissieverts por hora (mSv/h) - O nível da radiação perto dos reatores de Fukushima I aparece frequentemente como milissieverts por hora (mSv/h). Isso é a radiação que seria absorvida pelo corpo humano se a pessoa ficasse uma hora lá exposta. Um exemplo: Dia 15 de manhã saiu uma notícia dizendo que a radiação nas proximidades do reator 3 atingiu 400 mSv (milissieverts) por hora. Isso significa que, se uma pessoa tivesse ficado perto desse reator durante uma hora, teria absorvido um total de 400 mSv de radiação. Se tivesse ficado só meia hora, teria absorvido 200 mSv. Se ficar lá três horas, absorverá 1200 mSv (imaginando, para simplificar, que o nível permanecesse em 400 mSv/h por esse tempo todo).

[novo] Por outro lado, no mesmo dia à noite apareceu a informação de que a radiação na usina tinha atingido 8 sieverts. Mas espere aí, não era para medir em sieverts por hora? É que aqui eles especificaram a quantidade total de radiação acumulada que uma pessoa absorveria se tivesse ficado o tempo todo perto dos reatores desde o início da crise. Com dezenas ou centenas de milissieverts por hora, após quatro dias acumularam-se 8 sieverts. Cuidado! Alguns jornais e telejornais andam misturando "sievert" e "sievert por hora". Vejam se o número é consistente com o contexto. Qualquer dúvida, rever as fontes.

Quantos sieverts são seguros? - Isso depende do tempo de exposição à radiação. Assim, as doses limites de radiação suportáveis pelo corpo humano estão expressas em geral em milisieverts/ano - ou então fala-se em "doses anuais". Segundo estes slides (em PDF) de Elaine Rochedo, da CNEN, os limites estabelecidos pela CNEN, que seguem os padrões internacionais, são: para o público, 1 mSv por ano e, para indivíduo ocupacionalmente exposto, 20 mSv por ano (isso, porém, pode depender também da parte do corpo exposta, como mostra o slide da pág. 30).

Esta tabela do Wikipedia
http://en.wikipedia.org/wiki/Orders_of_magnitude_%28radiation%29
mostra ordens de magnitude de doses de radiação para vários casos (natureza, radiografias etc.)

[novo] Esta outra:
http://xkcd.com/radiation/
É ainda mais interessante. Veja comentários sobre ela neste post.

Outras unidades para os quatro conceitos mencionados acima são:
  • A quantidade de material radioativo existente em uma fonte radioativa becquerel (Bq) (outra menos usada: curie (Ci); conversão: 1 Ci = 3,7 x 10^10 Bq)
  • A exposição de um corpo à radiação - coulomb por quilograma (C/kg) (outra menos usada: roentgen (R); conversão: 1 C/kg aproximadamente igual a 3,876 R)
  • A dose de radiação absorvida por um corpo - gray (Gy) (outra menos usada: rem - "radiation absorbed dose" -; conversão: 1 Gy = 100 rems)
  • Medida da dose equivalente de radiação absorvida por um tecido vivo - sievert (Sv) (outra menos usada: rem - "roentgen equivalent man" -; conversão: 1 Sv = 100 rem)

[novo] Sobre o acidente nuclear em Fukushima: Detalhes técnicos sobre o que já aconteceu (sobre o que está acontecendo é você quem vai escrever...) podem ser confirmados nestes sites de acompanhamento dos eventos, da AIEA:

[novo] http://www.iaea.org/newscenter/news/tsunamiupdate01.html

e do Wikipedia, que possuem também referências dos dados e tabelas com os status dos reatores em cada dia:

http://en.wikipedia.org/wiki/Fukushima_I_nuclear_accidents

http://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_the_Fukushima_nuclear_accidents

(Se houver discrepância entre seus dados e os desses sites, o melhor é verificar com as fontes.)
Posts relacionados: Um diagrama para doses de radiação (22/03/2011)

[novo] Veja também: Nuclear: Conhecer para debater, blog de Pamela Piovezan.

[novo] E também recomendo fortemente: O acidente de Fukushima-Daiichi: As lições aprendidas até o momento, um excelente texto.

segunda-feira, 14 de março de 2011

O que está acontecendo com as usinas do Japão?

[Obs.: Escrito pouco depois do acidente no Japão, este texto possui informações desatualizadas - para uma abordagem bem didática sobre o que aconteceu no Japão, veja esta matéria da Folha. Este post também fornece dados muito completos]

Ontem recebi pelo Facebook mensagens assim: “O que significa isso? Explodiu o reator número 3 no Japão... ” E hoje de manhã a Folha Online colocava imagens medonhas de um prédio semi-destruído (como esta ao lado), com os dizeres “Reator 3 da usina de Fukushima antes e após a explosão”.

Só que... o texto da matéria dizia que o reator estava intacto!

É só uma das confusões que andam aparecendo nos jornais brasileiros. Sem falar em outra matéria da mesma Folha Online de ontem, cujo título dizia que o Japão lutava para evitar uma... “explosão nuclear”. Como assim? Fukushima rima com Hiroshima, mas pára aí...!

Na verdade, não pode haver explosão nuclear como a de uma bomba nuclear em uma usina, porque usina e bomba usam urânios de tipos diferentes. A usina usa urânio enriquecido a 5% e a bomba, enriquecido a 95%. O urânio a 5% simplesmente não explode.

Então o que foram aqueles enormes estouros em Fukushima? Primeiro: uma coisa é o prédio do reator; outra é o reator, que fica lá dentro. Houve explosões nos prédios. Os reatores, disseram os japoneses, sobreviveram bem.

E por que explodiram os prédios? Ninguém sabe ao certo até agora, mas provavelmente tem a ver com o sistema de resfriamento. Os reatores de usinas aquecem-se naturalmente se não forem refregerados. Tal e qual em um motor de carro em funcionamento, em geral a temperatura é mantida baixa com água fria correndo por dutos por dentro de paredes de concreto ao redor do reator. Além disso, há outro circuito de vapor para movimentar as turbinas que gerarão a eletricidade. Ora, se não há energia, a água e o vapor não correm. E o terremoto e o tsunami cortaram a energia da região - e destruíram o gerador de emergência que deveria funcionar em caso de blecaute. Parada, a água também pode se aquecer e vira vapor dentro da tubulação. Se a pressão não for liberada, poderia haver uma explosão, como numa panela de pressão com válvula entupida.

[P.S. -Os prédios, porém, não explodiram por causa do "efeito panela de pressão". Os técnicos liberaram um pouco de vapor para que isso não acontecesse. Segundo a New Scientist, foi uma explosão de hidrogênio, provavelmente proveniente de reações químicas envolvendo o vapor d'água do circuito gerador de energia (não do refrigerador); o hidrogênio teria entrado em combustão quando entrou em contato com o oxigênio do ar, no momento em que liberaram o vapor.]

A ideia então é manter os reatores frios. Se esquentarem demais, derreterão e aí, sim, causarão problemas de gravidade imprevisível. Neste momento, os japoneses estão fazendo isso com água bombeada do mar, até que possam reconstruir um sistema de refrigeração mais estável. Torçamos para que tudo dê certo.

Então é isso: situação muito grave, mas nada de explosão nuclear ou reator indo pelos ares. A propósito, para uma cobertura precisa, sugiro, por exemplo, o pessoal da New Scientist (em inglês).
P.S. (13:52) - Fiz algumas alterações no texto acima, a partir de sugestões de Leopoldo Deppe e do comentário da Janaína Simões abaixo.