Uma jornalista me pediu ontem à noite algum material básico sobre nível de radiação, combustíveis nucleares, possíveis efeitos no organismo etc. Neste post, vou compartilhar as informações que reuni. Este texto não substitui as fontes, evidentemente; a ideia é servir de orientação inicial.
As apostilas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) são bastante informativas e têm ótimos diagramas.
Nesta aqui:
http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/rad_ion.pdfna pág. 32, tem uma tabela com
efeitos da exposição do organismo à radiação. O parágrafo que a precede também dá um resumo é bastante esclarecedor sobre os efeitos da radiação ionizante sobre o ser humano ("radiação ionizante", na prática, pode ser identificada com a radiação capaz de causar danos às moléculas que compõem o corpo humano, inclusive o DNA).
Nesta outra:
http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/energia.pdfa partir da pág. 15, há um capítulo sobre
como funcionam reatores e usinas nucleares (com ênfase na de Angra,
que é diferente da de Fukushima I, cujo esquema está na
figura inicial deste texto) e também, na pág. 22,
segurança nos reatores nucleares. Na pág. 26, há explicações sobre o que aconteceu nos
acidentes de Three Miles Island e de Chernobyl.
Nesta outra:
http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/radio.pdfNa pág. 16, tem uma seção sobre o
acidente nuclear de Goiânia.
Obs.: Repare-se que
os reatores de Fukushima I, no Japão, não são do mesmo tipo que o de Angra (que é do tipo PWR; os de Fukushima são do BWR).
Esses PDF vieram daqui:
http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas.asp[novo] Obs.: Atenção para alguns erros comuns. O principal deles é que um reator nuclear poderia produzir uma "explosão nuclear". Apesar de parecer etimologicamente correto,
não se pode dizer que a explosão em um reator nuclear é uma "explosão nuclear", pois esse termo está reservado para a explosão de bombas nucleares. E já há uma identificação errônea em muitas pessoas do público em geral entre usinas nucleares e bombas nucleares. São diferentes porque usam urânios de tipos diferentes. A usina usa urânio enriquecido a 5% e a bomba, enriquecido a 95%, com pequenas variações ao redor disso. Acontece que o urânio a 5% simplesmente não explode. A explosão de Chernobyl, p. ex., foi de natureza química, não nuclear. A radioatividade veio porque a força da explosão atirou material radioativo pulverizado para a atmosfera.
O sievertSobre unidades de medida de radiação: normalmente, diz-se "o nivel de radiação perto do prédio do reator é de tantos sieverts". Pode-se dizer que
o sievert é uma unidade de medida para nível de radiação que leva em conta o seu efeito sobre os tecidos vivos. Definições de sievert podem ser encontradas facilmente na Internet, mas pode haver alguma confusão com a complexidade das várias medidas de níveis de radiação. Talvez a discussão abaixo ajude.
O caso é que há pelo menos quatro conceitos envolvidos:
- A atividade de uma fonte radioativa, que depende da quantidade de material radioativo existente na fonte (a fonte pode ser, p. ex., o urânio do reator)
- A exposição de um corpo à radiação - que depende da distância do corpo à fonte radioativa
- A dose de radiação absorvida por um corpo - é diferente do conceito anterior, pois parte da radiação atravessa o corpo de lado a lado e vai embora sem causar danos, e parte é absorvida - e é essa que causa danos. Ora, na prática, estamos interessados na parte absorvida, porque é a que se relaciona com os efeitos biológicos da radiação.
- A medida da dose equivalente de radiação absorvida por um tecido vivo - o caso é que diferentes tipos de radiação têm diferentes efeitos nos tecidos vivos - p. ex., a radiação alfa causa menos estrago que a gama, se vier de fontes externas ao organismo. Então, simplesmente mencionar a dose absorvida não é suficienete para as necessidades práticas da medicina. Deve ser incorporada na definição da unidade de medida um fator que represente o efeito de cada tipo de radiação no organismo.
O
sievert é uma unidade de medida relacionada ao quarto conceito - a dose equivalente de radiação absorvida por um tecido vivo.
Dizer que o nível da radiação a xis metros do prédio da usina é de tantos sieverts significa que um organismo vivo colocado ali absorveria uma dose de tantos sieverts de radiação.Uma unidade mais antiga que o sievert, mas ainda usada, é o
rem (de "roentgen equivalent man"). A relação entre rem e sievert é: 1 Sv = 100 rem.
Milissieverts - Assim como falamos em milímetro, miligrama e mililitro, também falamos em milissieverts (mSv). Um mSv = um milésimo de Sv.
[novo] Microssieverts - Também vem aparecendo nos jornais a unidade microssievert (μSv). Isso significa um milésimo de milissieverts. Logo, 1 μSv = 0,001 mSv = 0,000001 Sv. Inversamente, 1 Sv = 1000 mSv = 1.000.000 μSv.
Cuidado! Muitos jornais colocam "mSv" como representando microssievert. Atenção para não entender errado, veja se o número é consistente com o contexto.
[novo] Milissieverts por hora (mSv/h) - O nível da radiação perto dos reatores de Fukushima I aparece frequentemente como milissieverts por hora (mSv/h). Isso é a radiação que seria absorvida pelo corpo humano se a pessoa ficasse uma hora lá exposta. Um exemplo: Dia 15 de manhã saiu uma notícia dizendo que a radiação nas proximidades do reator 3 atingiu 400 mSv (milissieverts) por hora. Isso significa que,
se uma pessoa tivesse ficado perto desse reator durante uma hora, teria absorvido um total de 400 mSv de radiação. Se tivesse ficado só meia hora, teria absorvido 200 mSv. Se ficar lá três horas, absorverá 1200 mSv (imaginando, para simplificar, que o nível permanecesse em 400 mSv/h por esse tempo todo).
[novo] Por outro lado, no mesmo dia à noite apareceu a informação de que a radiação na usina tinha atingido 8 sieverts. Mas espere aí, não era para medir em sieverts por hora? É que aqui eles especificaram a quantidade
total de radiação
acumulada que uma pessoa absorveria
se tivesse ficado o tempo todo perto dos reatores desde o início da crise. Com dezenas ou centenas de milissieverts por hora, após quatro dias acumularam-se 8 sieverts.
Cuidado! Alguns jornais e telejornais andam misturando "sievert" e "sievert por hora". Vejam se o número é consistente com o contexto. Qualquer dúvida, rever as fontes.
Quantos sieverts são seguros? - Isso depende do
tempo de exposição à radiação. Assim, as
doses limites de radiação suportáveis pelo corpo humano estão expressas em geral em
milisieverts/ano - ou então fala-se em
"doses anuais". Segundo
estes slides (em PDF) de Elaine Rochedo, da CNEN, os limites estabelecidos pela CNEN, que seguem os padrões internacionais, são: para o público, 1 mSv por ano e, para indivíduo ocupacionalmente exposto, 20 mSv por ano (isso, porém, pode depender também da parte do corpo exposta, como mostra o slide da pág. 30).
Esta tabela do Wikipedia
http://en.wikipedia.org/wiki/Orders_of_magnitude_%28radiation%29mostra ordens de magnitude de doses de radiação para vários casos (natureza, radiografias etc.)
[novo] Esta outra:
http://xkcd.com/radiation/É ainda mais interessante. Veja comentários sobre ela
neste post.
Outras unidades para os quatro conceitos mencionados acima são:
- A quantidade de material radioativo existente em uma fonte radioativa becquerel (Bq) (outra menos usada: curie (Ci); conversão: 1 Ci = 3,7 x 10^10 Bq)
- A exposição de um corpo à radiação - coulomb por quilograma (C/kg) (outra menos usada: roentgen (R); conversão: 1 C/kg aproximadamente igual a 3,876 R)
- A dose de radiação absorvida por um corpo - gray (Gy) (outra menos usada: rem - "radiation absorbed dose" -; conversão: 1 Gy = 100 rems)
- Medida da dose equivalente de radiação absorvida por um tecido vivo - sievert (Sv) (outra menos usada: rem - "roentgen equivalent man" -; conversão: 1 Sv = 100 rem)
[novo] Sobre o acidente nuclear em Fukushima: Detalhes técnicos
sobre o que já aconteceu (sobre o que está acontecendo é você quem vai escrever...) podem ser confirmados nestes sites de acompanhamento dos eventos, da AIEA:
[novo]
http://www.iaea.org/newscenter/news/tsunamiupdate01.htmle do Wikipedia, que possuem também referências dos dados e tabelas com os status dos reatores em cada dia:
http://en.wikipedia.org/wiki/Fukushima_I_nuclear_accidentshttp://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_the_Fukushima_nuclear_accidents(Se houver discrepância entre seus dados e os desses sites, o melhor é verificar com as fontes.)
Posts relacionados: Um diagrama para doses de radiação (22/03/2011)
[novo] Veja também: Nuclear: Conhecer para debater, blog de Pamela Piovezan.
[novo] E também recomendo fortemente: O acidente de Fukushima-Daiichi: As lições aprendidas até o momento, um excelente texto.