
A autopercepção parece ser algo integrado - no máximo, podemos identificar algumas instâncias nela -, e não algo constituído de bilhões de impulsos nervosos eletroquímicos. Mas não é só por isso. Se fosse, não seria problema: a água líquida também vista a olho nu não "parece" composta de moléculas. No entanto, a "cor", o "jeitão" dessa "coisa" que sentimos pela autopercepção parece não ter nada a ver com as descrições de suas bases neurofísicas. Se é que me entendem - a natureza da autopercepção do eu parece ser algo tão irredutível à análise que é quase impossível explicá-la com palavras.
Talvez isso tem a ver com a necessidade de definições operacionais em ciência. A ciência não trata da essência dos objetos, das coisas-em-si - isso é assunto da metafísica, quando muito. A ciência trata apenas do que pode ser observado pelos métodos científicos. Assim, quando a ciência tenta definir algum objeto de estudo, o que se faz é enumerar características que podem ser observadas por seus métodos (e/ou remeter a outros conceitos definidos anteriormente). Assim, definimos um elétron dizendo que ele tem massa de 9,11 x 10-31 kg e carga elétrica positiva de 1,602 x 10-19 coulombs. Não se diz o que ele é, mas como é. Sabe-se hoje que não é um corpúsculo no sentido tradicional, nem uma onda, nem nada que se conheça. O que é, então? Não se pode saber; pode-se apenas descrever suas características.
Essa restrição pode tornar intrinsecamente irredutíveis as duas abordagens - a científica e a pela introspecção, pela autopercepção. Também porque esta última é pessoal - não sei sequer se as outras pessoas compartilham do que sinto a respeito -, enquanto a ciência é baseada no conceito de compartilhamento das experiências (senão, suas teorias não seriam verificáveis!).
Essa e outras são questões que desnudam os limites da ciência. A ciência usa métodos rigorosos, mas o preço que temos a pagar é a limitação do que pode ser abordado por esses métodos. Há questões que não podem. E nunca vamos saber com precisão científica a resposta a elas. Pode-se abordá-las de outros modos - uma vez conversei com um cientista da computação que tentava investigar a autopercepção do eu por meio da poesia -, até com religião, se alguém quiser. Mas a ciência não as alcança, por sua própria natureza.
Na sua opiniao pessoal, qual é o caminho que pode nos levar a abordar melhor e mais questoes? A filosofia?
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