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sábado, 1 de outubro de 2011

O caso dos neutrinos mais velozes que a luz

A essa altura, a maioria dos leitores já ouviu falar da suposta descoberta de partículas mais velozes que a luz, em um laboratório em Gran Sasso, na Itália, há pouco mais de uma semana. São neutrinos, partículas centenas de milhares de vezes mais leves que um elétron e que interagem muito fracamente com a matéria. A velocidade determinada pela Colaboração OPERA com os enormes detetores da figura ao lado foi de apenas 0,00248% acima da velocidade da luz. No entanto, a precisão do experimento foi grande e esse resultado parece contradizer frontalmente a teoria da relatividade especial.

Vários desdobramentos aconteceram nesta última semana. A maior parte dos cientistas está cética, mas as reações variam muito. A essa altura, muita gente já conhece sua reação por meio de entrevistas e matérias de jornais. Mas outra coisa é ver o que dizem em suas publicações científicas. O blog do ArXiv publicou no sábado uma lista de nove artigos que representam o que a comunidade científica anda pensando de tudo isso. Abaixo, falo um pouco sobre eles, mas este post no blog A Física se Move dá muito mais detalhes.

Basicamente, há três tipos de interpretação para os resultados:

a) A anomalia é devida a algum erro dos autores;
b) A anomalia é real e indica uma violação da teoria da relatividade especial;
c) A anomalia é real, os neutrinos viajam mais rapidamente que a luz, mas a teoria da relatividade não é violada (sim, isso é possível).

Além disso, há os cientistas que preferem esperar que outros grupos verifiquem se conseguem reproduzir os dados - como é o caso dos próprios autores, como declararam no seu artigo.

Por que não crêem os que não crêem - Sendon Glashow, prêmio Nobel de física de 1979, é um dos céticos da categoria (a). "Refutamos a interpretação superluminal dos resultados do OPERA", disparou no resumo do seu artigo, escrito junto com Andrew G. Cohen. Seu argumento é que, pelos seus cálculos, os neutrinos perderiam energia pelo caminho, que seria convertida em matéria por meio da produção de elétrons e pósitrons, e eles não poderiam de forma alguma alcançar o detector do OPERA com velocidade acima da luz, vindos de onde foram produzidos, no CERN, em Genebra, a 730 km de distância.

As tentativas de explicação variam enormemente pela lista do ArXiv. Susan Gardner, da Universidade do Kentucky, nos EUA, acha que o pessoal do OPERA foi ludibriado por efeitos cosmológicos devidos à matéria escura. Carlo Contaldi, do Imperial College de Londres, também acha que eles se enganaram, e o vilão teria sido a interpretação do conceito de simultaneidade adotada - o tempo se comporta de forma bem diferente do que estamos acostumados no cotidiano pode nos pregar peças. Há quem ache que o grupo foi vítima de meras interpretações estatísticas equivocadas, como Robert Alicki, da Universidade de Gdánsk, na Polônia. É que os dados, colhidos durante três anos a fio, são em número imenso e devem sofrer análise estatística, uma tarefa melindrosa e cheia de sutilezas conceituais.

Convivência difícil, mas possível - O problema em supor enganos dessas espécies é que os cientistas do OPERA parecem ter feito um excelente trabalho. No entanto, a teoria da relatividade também vem fazendo um trabalho espetacular - suas previsões vêm sendo confirmada por inúmeros experimenetos já faz quase um século. Assim, há cientistas que apostam que tanto os resultados quanto a relatividade estão corretos. Isso é possível, mas há um preço conceitual nada baixo a se pagar.

Por exemplo, Steven Gubser, da Universidade de Princeton, nos EUA, pretende resolver o paradoxo por meio de dimensões espaciais a mais além das três a que conseguimos perceber. O neutrino teria viajado por dimensões extras, produzindo a ilusão de uma velocidade muito grande. Já Alex Kehagias, da Universidade de Atenas, imagina que a Terra produza um campo de forças ainda desconhecido, além do conhecido campo gravitacional e do seu campo magnético. Surpreendentemente, ele conseguiu escrever a fórmula de um campo que consegue ao mesmo tempo ser compatível com a relatividade e produzir neutrinos mais rápidos que a luz.

Ao fim e ao cabo, a conclusão é a mesma que os próprios autores advertiram desde o primeiro momento: uma conclusão precisa terá que esperar que outros grupos de pesquisa verifiquem se conseguem reproduzir os resultados do OPERA. Isso pode levar uns anos. Enquanto isso, podemos especular à vontade: já há teóricos dando os primeiros passos para construir uma teoria alternativa à relatividade especial. Um dos artigos da lista do blog do ArXiv é justamente sobre isso.