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domingo, 29 de março de 2020

Por que fazer a quarentena da população?

O motivo da quarentena é que o perigo do coronavírus não vem da sua letalidade, que não é tão alta (morrerão 0,39% dos infectados abaixo de 60 anos de idade e 1,33% dos acima de 60, segundo uma projeção recente). O perigo é que ele é extremamente contagioso e resiste dias inteiros preso em superfícies e em perdigotos no ar. Por isso, não são suficientes os tradicionais cuidados básicos (ainda que necessários!), que funcionam tão bem para tantas doenças mais comuns, como lavar as mãos. Sem intervenções mais drásticas, quase todo mundo seria infectado de uma forma ou de outra. E aí, com muitíssima gente doente, mesmo uma pequena letalidade causa uma quantidade enorme de mortes. Esse é o problema.

De fato, segundo uma recente simulação em computador a partir do que já se sabe sobre o vírus, quase toda humanidade seria infectada se não houvesse nenhuma intervenção: seriam 7 bilhões de doentes de um total de 7,7 bilhões de pessoas no planeta. Esse estudo é do grupo do infectologista britânico Neil Ferguson. Ora, com as taxas de letalidade acima, isso dá nada menos que 40 milhões de mortes. Para o Brasil, cerca de 1,15 milhão.

Para se ter uma ideia, 40 milhões é um pouco menos do que o total de mortes da Segunda Guerra Mundial, o conflito mais mortífero da História (que matou cerca de 60 milhões). Só que essa guerra durou seis anos, de 1939 a 1945. Ou seja, o covid-19 é capaz de matar numa velocidade várias vezes maior do que a média da pior guerra de todos os tempos.

Isso causaria também um efeito econômico devastador em todos os setores, especialmente entre os pequenos - pequenos comércios, pequenas empresas.

Mas isso, se nada for feito. E o que fazer? Atacar justamente aquilo que faz o vírus ser tão letal, que é eu contágio extremo. E como deter o contágio? Respeitando os cuidados básicos que as autoridades de saúde estão divulgando (muita atenção para esses cuidados!) e restringindo a proximidade entre as pessoas - pois é por aí que se dá o contágio.

Daí a estratégia do distanciamento social - a restrição de parte dos contatos entre as pessoas. Inclusive de crianças, pois, apesar de elas raramente desenvolverem os sintomas, transmitem o vírus para outras pessoas.


Mas funciona?

Segundo as últimas pesquisas, sim. De fato, no dia 16 de março cada pessoa infectada em Sâo Paulo contaminava em média outras 6, segundo um levantamento do Butantan; no dia 20, contaminava apenas 3; no dia 25, apenas 2. A quarentena então está funcionando.

Outro estudo, publicado na revista Science, encontrou correlações entre o confinamento feito na China e o sucesso no combate às infecções naquele país, mostrando que essa estratégia é eficiente.

O grupo do Ferguson fala em salvar vidas. Sua pesquisa (a mesma citada acima) estimou que uma redução de 45% dos contatos sociais pode diminuir o número de mortos no Brasil de 1,15 milhão para 620 mil, salvando assim 395 mil vidas. Uma restrição maciça, de 75% dos contatos, pode reduzir para 44 mil mortes, salvando mais de 1,1 milhão de vidas.

O problema do confinamento é que ele causará muitos problemas econômicos, especialmente para micro e pequenas empresas, para o pequeno comércio e para as pessoas mais vulneráveis. Mas a alternativa é sombria. Especialmente para esses setores. Assim, o que é necessário não é suspender o confinamento, mas sim programas do poder público para ajudar esses setores.

De qualquer forma, para avaliar que estratégia usar, nada melhor do que a experiência e o conhecimento dos cientistas, médicos e infectologistas. É com base nisso que está sendo proposto o confinamento. Sigamos as recomendações do ministério da Saúde.