Ciência & cultura, ciência & arte, ciência & política, ciência & sociedade, ciência & não-ciência... enfim: ciência & crítica

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Nanociência contra o câncer

Sim, eis que a nanociência também pode servir ao combate ao câncer. Especialmente no caso de um dos tratamentos alternativos para essa doença, a terapia por hipertermia, na qual as células cancerígenas são destruídas por superaquecimento, na casa dos 40 graus. Mata-se o câncer de "febre". Mas isso tem que ser muito bem localizado e controlado, para não matar células sadias junto. Por isso, cientistas têm tentado desenvolver métodos alternativos para a hipertermia baseados em nanociência.

A ideia é sintetizar nanopartículas que se acumulam justo nas células cancerígenas e se aquecem quando submetidas a um campo magnético oscilante, matando então apenas as células malsãs. Nanopartículas são partículas com diâmetros de até algumas dezenas de nanômetros (um nanômetro é um milionésimo de milímetro). Muito pequeno: dez átomos de hidrogênio enfileirados já dão um nanômetro.

As novas nanopartículas anticâncer têm potencial de serem mais seletivas (quer dizer, não matam as células sadias) e mais controláveis que os métodos tradicionais de tratamento por hipertermia. Bastaria que fosse injetado na pessoa um fármaco contendo tais nanopartículas e então aplicar um campo magnético variável próximo à região do câncer. Apenas as células cancerígenas se aqueceriam por causa do campo magnético oscilante e morreriam.

O pessoal vem tentando identificar de que materiais as nanopartículas devem ser feitas para provocar o efeito desejado sem prejudicar o organismo e como controlar seus efeitos. Várias contribuições de diversos grupos de pesquisa ao redor do globo, pequenos tijolos que vão formando o todo, vêm sido dadas nos últimos anos. O assunto é conhecido como hipertermia magnética.


O tijolo goiano

Olhemos de perto um desses tijolos, para ver que cara tem o tipo de pesquisa feita nessa área. No mês passado, foi publicado um artigo sobre isso por físicos da Universidade Federal de Goiás que saiu com destaque no boletim da Sociedade Brasileira de Física. Nanopartículas podem ser obtidas por reações químicas em laboratório, que provocam uma autoorganização espontânea dos átomos para formá-las. O grupo, de Andris Bakuzis, estudou nanopartículas de magnetita e de ferrita, que são dois materiais magnéticos (como ímãs). Quando deixadas suspensas dentro da água, sob condições propícias elas se juntam espontaneamente em pequenos filamentos (como na figura no início deste texto).

O que esses cientistas conseguiram fazer, com estudos em laboratório e simulações por computador, foi identificar os parâmetros necessários para que essas nanopartículas se aqueçam até a temperatura correta. Esses parâmetros são o tamanho das partículas, o comprimento médio dos filamentos que elas formam e várias condições dos experimentos em laboratório.

O tamanho das nanopartículas e dos filamentos, já se sabe razoavelmente como controlá-los no laboratório, então agora é só uma questão de descobrir quais devem ser exatamente esses tamanhos para a máxima eficiência no tratamento do câncer. Esse é então o próximo passo. Dizem os autores: "esperamos que este trabalho motive investigações exploratórias sobre novas estratégias para otimizar a hipetermia magnética, que pode ter um grande impacto no campo biomédico".


Teoria & experimento

Fizeram mais. Propuseram também um modelo teórico preliminar para explicar quantitativamente o seu funcionamento. Explicações teóricas são um instrumento importante na pesquisa porque dão muitas ideias sobre que caminhos seguir nos passos seguintes dos estudos. A teoria e os experimentos sempre andam lado a lado. Além disso, com os modelos pode-se calcular valores, quando ainda faltam dados experimentais. O modelo construído pelos goianos discorda de avaliações preliminares para o tamanho ideal das partículas.

Esse novo modelo teórico, porém, também não está completo. Os próprios cientistas afirmam no artigo que ele tem limitações e que são necessárias mais pesquisas para construir teorias mais sofisticadas. Então, aperfeiçoá-lo é outra tarefa para as próximas pesquisas.

Isto que descrevi aqui foi uma fotografia da ciência em pleno movimento. Novos passos virão, de várias direções, até que a hipertermia magnética esteja disponível como mais uma frente no combate ao câncer. Mas sempre lembrando que a prevenção é o melhor remédio. Sem ela, nem mesmo as tecnologias mais sofisticadas poderiam vencer.

O artigo comentado aqui é assinado por cinco pesquiadores da UFG, mais um da UnB, um da Universidade Federal do ABC e um da Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos.


Para saber mais:

Magnetismo, farmacologia e medicina (Carlos Alberto dos Santos, Ciência Hoje, 23/11/2007) - Sobre o uso de nanopartículas magnéticas na medicina, inclusive sobre o tratamento do câncer por hipertermia magnética.

Nanopartículas que salvam vidas (Carlos Alberto dos Santos, Ciência Hoje, 26/02/2010) - Sobre o uso de nanopartículas em geral na medicina.

O artigo original (de acesso aberto): Branquinho et al., Scientific Reports 3, 2887 (2013). doi:10.1038/srep02887.