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sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Inácio Pereira do Amaral: Um artífice açoriano em Minas Gerais

Esta postagem é endereçada a historiadores da arte mineira do século XVIII.

Encontrei acidentalmente, em um documento no Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana (especifico a seguir), citações a um artista ou artífice de Minas Gerais (Ouro Preto e Conselheiro Lafaiete) do século XVIII, Inácio Pereira do Amaral. Como não achei quase nenhuma referência à atividade esse senhor em nenhum lugar (por exemplo, não consta do "Dicionário de Artistas e Artífices dos Séculos XIX e XVIII em Minas Gerais", de Judith Martins, e no mecanismo de busca do site do Arquivo Público Mineiro só houve uma ocorrência, descrita mais abaixo), e como esses dados aparecem em uma fonte inesperada (um processo de ordenação sacerdotal de um neto do Inácio), creio que possa ser informação inédita. Então compartilho-a aqui para o caso de interessar a historiadores.

Sinopse da sua atividade de artífice: Sargento-mor Inácio Pereira do Amaral (N. 1698, Horta, ilha do Faial, Açores - F. Queluz, MG?) - Pintor, escultor e ourives. Teve uma "fábrica com pretos e rapazes pintores" em Ouro Preto, MG. Nessa cidade, pintou a Igreja Velha do Rosário dos Pretos e uma imagem de São Jorge. Em Conselheiro Lafaiete, MG, pintou a igreja da Matriz.

Abaixo, uma discussão sobre a fonte que consultei; um resumo biográfico; e trechos relevantes do documento consultado.

Índice:

Fonte: Processo de genere de João Bento Salgado (Queluz, 1797 - no índice do arquivo e na capa do documento, consta "1777"). Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, armário 5, pasta 769 (Inácio Pereira do Amaral era avô materno deste João Bento Salgado). As informações sobre as atividades de Inácio como artífice aparecem nos depoimentos de testemunhas que o conheceram. Vide seção "documentos" abaixo.


O que são processos de genere, vita et moribus:


Quando alguém se ordenava padre no século XVIII em Portugal e dependências, era preciso que passasse por três processos: um, para inventariar seu patrimônio, a fim de demonstrar que era suficiente para sua ordenação; dois, para assegurar a correteza de sua vida moral (moribus); três, para assegurar a "pureza" do seu sangue, ou seja, que era batizado e filho de pais casados e batizados e que não era descendente do que na época eram consideradas "raças infectas", nas palavras do formulário utilizado (negros, judeus, índios etc.). Esse terceiro processo, chamado processo de genere, era na verdade feito em estágios anteriores da ordenação. Ele possui informações riquíssimas para genealogistas, pois muitas vezes cita até os bisavós do habilitando (a maioria não era completa, pois a incúria para isso era grande na época).

Para extrair os dados necessários, eram enviadas requisições para os locais competentes para que estes enviassem cópias das certidões de batismo e de casamento do habilitando, de seus pais e de seus avós. Também, eram enviadas requisições para as paróquias onde o habilitando e seus pais e avós residiram, a fim de tomar depoimentos de testemunhas que o conheceram, arroladas pelos párocos locais. Esses depoimentos muitas vezes fornecem dados biográficos preciosos sobre os ancestrais do habilitando e às vezes sobre suas redes sociais. No documento que consultei, esses testemunhos informavam sobre algumas atividades de artífice do avô materno do habilitando, o açoriano Inácio Pereira do Amaral.

Os processos de moribus também possuem testemunhos, mas não tão ricos (em geral, apenas afirmam que o habilitando não é criminoso nem adúltero etc.). Os de patrimônio incluem cópias de diversos documentos, como de escrituras de terras; às vezes podem ser inferidas informações sobre o nível econômico do habilitando e de seus pais.

Os processos de genere feitos em Minas Gerais estão depositados no Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana. Os processos de genere, de moribus e de patrimônio estão encadernados juntos para cada titular. A grande maioria está em relativo bom estado (muito melhor estado que os livros paroquiais de qualquer arquivo brasileiro, por exemplo). Podem ser consultados no local sem agendamento. Não há índice informatizado, apenas de papel, alfabético, constando nome do titular, local e data. Cobre os séculos XVIII, XIX e parte do XX. Fica aberto para pesquisa de segunda a sexta das 13:30 às 15:00. Endereço: Rua Direita, 102, Mariana, MG. Fones: (31) 3557-1237 ou 3557-1351 (pode-se confirmar estes dados aqui). Outra fonte muito usada por genealogistas que esse arquivo contém são os processos matrimoniais ou de dispensa matrimonial de toda Minas Gerais, além de livros de batismo, casamento e óbitos da região ao redor de Mariana. Próximo ao arquivo fica o arquivo da Casa Setecentista, com documentos civis da região (testamentos, inventários etc.).

Mais informações
sobre processos de genere em: Villalta, Luiz Carlos. "A igreja, a sociedade e o clero". In: Resende, Maria Eugênia Lage de; e Villalta, Luiz Carlos (org.), História de Minas Gerais: As Minas Setecentistas, vol. 2. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo, 2007, pág. 25-57, especialmente pág. 25-28.


Resumo biográfico de Inácio Pereira do Amaral

O sargento-mor Inácio Pereira do Amaral nasceu em 22 de janeiro de 1698 na freguesia das Angústias, na vila de Horta, na ilha do Faial, Arquipélago dos Açores. Era filho do sapateiro Antônio Pereira e de Serafina Rodrigues, ambos também naturais da vila de Horta. Seus pais moravam no lugar chamado Porto Pim e tiveram pelo menos mais um filho além de Inácio, Francisco Pereira do Amaral.

Dos Açores, Inácio foi ao Rio de Janeiro e depois a Ouro Preto, em Minas Gerais, onde morou desde o início da década de 1730, pelo menos, e, como pintor, pelo menos desde o início da de 1740. Ali, morava na frente da Igreja Velha do Rosário dos Pretos (não confundir com a atual Igreja do Rosário) e teve uma "fábrica" (uma oficina de pintura?) onde trabalhavam "pretos e rapazes pintores".

Sobre seu ofício de pintor em Ouro Preto, testemunhas que o conheceram se lembraram, na década de 1790, de ele ter pintado a dita igreja Velha do Rosário dos Pretos e também uma imagem de São Jorge. Uma pequena amostra de um dos serviços menores que deviam povoar sua atividade ao redor desses outros mais notáveis aparece no Arquivo Público Mineiro, nos fundos públicos da Câmara Municipal de Ouro Preto, onde consta uma solicitação de Inácio Pereira do Amaral, datada de 18 de abril de 1744, "do pagamento de 35 oitavas e meia de ouro, referente à pintura de 12 varas para os almotacés e de 5 para os vereadores". Já sobre sua vida particular, a única coisa transmitida pelos testemunhos é que costumava ir na procissão do Corpo de Deus.

Em Ouro Preto, casou-se com Margarida do Nascimento (originária da mesma freguesia das Angústias nos Açores) e ali tiveram duas filhas: Maria do Ó, casada com o mercador Domingos da Silva Neves, e Teresa Angélica de Jesus, nascida em 19 de setembro de 1734.

Quando Teresa ainda era criança, Inácio mudou-se para a freguesia do Campo dos Carijós (atual Conselheiro Lafaiete). Ali, as testemunhas que o conheceram se lembraram dele como pintor, escultor e ourives e também por ter pintado a igreja da Matriz do lugar (a imagem no início desta postagem mostra a fachada atual da igreja).

Teresa casou-se em 6 de novembro de 1757 com o cirurgião português João Pinto Salgado (estes tiveram o filho João Bento Salgado, titular do documento consultado). Maria do Ó ficou em Ouro Preto com seu marido. Sobre essa família, veja-se também o título "Bento Salgado" de "Genealogias da Zona do Carmo", do cônego Antônio Trindade.


DOCUMENTOS

1) Certidão de batismo

Processo de genere citado, folha 55 (ver também imagem do assento original no site do Inventário Genealógico do Centro de Conhecimento dos Açores)

Livro de batismos de Nossa Senhora das Angústias, vila de Horta, ilha do Faial, Açores, folha três, verso:

Inácio, filho de Antônio Pereira do Amaral [no original no site acima, está escrito "Antônio Pereira, sapateiro"], natural da vila de Horta do Faial, e de sua legítima mulher, Serafina Rodrigues, natural desta mesma vila, fregueses desta paroquial de Nossa Senhora das Angústias, do lugar do Porto Pim, nasceu aos vinte e dois do mês de janeiro do ano de mil seiscentos e noventa e oito e foi batizado por mim, o padre André Godinho Ribeiro, cura desta dita paroquial de Nossa Senhora das Angústias, aos vinte e oito dias do mês de janeiro do mesmo ano de mil seiscentos e noventa e oito. Foram padrinhos Inácio Fichar, filho de Ambrósio Fichar, e sua mãe, Maria de Almeida, mulher do mesmo Ambrósio Fichar, fregueses da Matriz do Salvador, desta vila, e nela moradores. E, em fé de verdade, fiz este termo, que assinei com testemunhas presentes: Bernardo Pereira, mercador, e Manuel Furtado, fregueses desta paroquial. E[u], nos mesmos vinte e oito dias do mês de janeiro de mil seiscentos e noventa e oito, o cura Tomé Godinho Ribeiro.


2) Excertos dos depoimentos das testemunhas:

[folha 72v]

2.1) Depoimentos tomados em 9 de julho de 1796 na vila de Queluz, em casas de morada do reverendo vigário Fortunato Gomes Carneiro:

João de Medeiros Teixeira
Casado
Natural da freguesia de São Paio de Perelhal, termo ou Comarca de Bom Mor[?], Arcebispado de Braga.
Vive de sua agencia
76 anos
Morador nesta Freguesia
"[Conheceu] ao avô materno [Inácio Pereira do Amaral] com suas curiosidades de ourives [...] A razão que tem para disto saber é ser morador nesta freguesia há mais de 40 anos e de nela os conhecer [os pais e avós]"

Alferes José Pereira do Santos
Pardo
Solteiro
56 anos
Natural da freguesia de Ouro Branco
Morador nesta vila
Vive do seu negócio de fazenda seca
"[...] o avô, ouviu dizer que tinha muita habilidade e que pintara a Matriz desta Vila [...] A razão que tem para disto saber é que desde menino é morador nesta vila e nela os tem conhecido [...]"

Luis Ribeiro de Carvalhaes

Branco
Solteiro
Vive de seu ofício de ferreiro
73 anos incompletos
Natural da freguesia de São Pedro da Lomba, Bispado do Porto
"[...] Conheceu, moradores nesta vila, os avós maternos [...] e lhe parece a ele, testemunha, que ambos eram naturais das Ilhas [...]"
razão por saber: é morador antigo nesta vila

José Ferreira de Brito
Branco
Solteiro
Procurador da Câmara nesta Vila
Vive de sua agência
67 anos
"[...] Conheceu somente a avó materna, dona Margarida do Nascimento, morando nesta Vila, onde faleceu [...] E a razão que tem para saber é ser morador antigo nesta Vila e conhecer os pais do habilitando ainda solteiros; e disse mais, que ele, testemunha, é natural e batizado na Freguesia de São João da Cruz, Arcebispado de Braga, Termo do Porto[...]"

Diogo Duarte
Pardo casado
Natural e batizado na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Arraial das Congonhas do Campo, Bispado de Mariana
Vive de comprar e vender
56 anos
"[...] conhece o habilitando e os seus pais [...]"
[razão para saber:morador antigo na freguesia]

Luís de Almeida
Branco
Casado
Natural da freguesia de Santo Adrião de Vila de Óis da Ribeira, Bispado de Coimbra
Vive de seu negócio
74 anos
Conhece o habilitando e seus pais "e seu avô materno, o sargento-mor Ignácio Pereira do Amaaral; mal se entrelembra o conhecê-lo, porém conheceu muito bem a sua mulher, dona Margarida do Nascimento, e [sabe] que eram naturais das Ilhas [...] e o avô declarado com habilidade de escultor, pintor e ourives [...]"[razão de o saber: ser morador antigo nesta vila]

Jose Ribeiro de Carvalhaes
Branco
Casado
Natural e batizado na freguesia de São Pedro da Lomba, Bispado do Porto
71 anos
Vive de sua agência
"[...] E conhecera também os avós maternos [...] naturais das Ilhas, que tinha sido pintor segundo ouvira [...]"
razão para saber: ser morador antigo nesta Vila e vizinho da terra de seu pai [do habilitando]


[folha 46v]

2.2) Depoimentos de 15 de outubro de 1793 na vila de Horta, em casas de morada do ouvidor eclesiástico Francisco Inácio Xavier Whiton:

Antônia Margarida Teresa, viúva de Matias Corrêa, natural e morador na freguesia de Nossa Senhora das Angústias, de idade que disse ser de sessenta e sete anos, pouco mais ou menos [...] Disse que não conheceu os avós paternos do habilitando, o sargento-mor Inácio Pereira e sua mulher, mas que o pai dela, testemunha, chamado Francisco Pereira do Amaral, se correspondia com ele em razão de serem irmãos; e que ouviu dizer ao mesmo seu pai que o dito sargento-mor, seu irmão, casara nas Minas com uma mulher natural da dita freguesia das Angústias, mas que não tem notícia dos seus ascendentes [...]

Antônio da Rosa, marítimo, natural e morador na freguesia das Angústias, de idade que disse ter de sessenta e nove anos [...] Disse que conheceu ao sargento-mor Inácio Pereira do Amaral, natural da freguesia de Nossa Senhora das Angústias, em cuja freguesia o conheceu sendo solteiro, assistindo na casa de seus pais; mas que não tem lembrança do que vivia o mesmo avô do habilitando, o qual se embarcou para o Rio de Janeiro; mas que não conheceu à sua mulher mencionada neste artigo.

Teresa Josefa, mulher de Pedro José, [palavra ilegível], morador na freguesia de Nossa Senhora das Angústias, desta ilha, de idade que disse ser de sessenta anos, pouco mais ou menos [...] Disse que não conheceu as pessoas mencioandas no artigo, mas que conhece algumas famílias com os cognomes de Pereira e Amaral, sem nota alguma que os inabilite passe o estado de sacerdotes [...]

Antônio Ferreira de Matos, natural e morador na freguesia de Nossa Senhora das Angústias, de idade que disse ser de sessenta e três anos, pouco mais ou menos [...] Disse que não conheceu as pessoas mencionadas neste artigo, mas que tem ouvido dizer que o dito sargento-mor Inácio Pereira do Amaral era irmão de Francisco Pereira do Amaral, morador que foi neste freguesia, a quem ele, testemunha, conheceu; e era sujeito de boa nota, sem coisa alguma em contrário [...]

[Continuação dos depoimentos no dia 16]

Manuel José da Silveira, marítimo, morador na freguesia de Nossa Senhora das Angústias, de idade que disse ser de setenta e três anos, pouco mais ou menos [...] Disse que não conheceu as pessoas mencionadas no artigo, mas que conhece algumas famílias com os cognomes Amaral, sem nota alguma no seu procedimento [...]

O reverendo padre José Antônio, clérigo subdiácono, natural e morador na freguesia de Nossa Senhora das Angústias, de idade que disse ter de sessenta e cinco anos, pouco mais ou menos [...] Disse que alguma lembrança tem de conhecer Inácio Pereira do Amaral, o qual era irmão de Francisco Pereira do Amaral, naturais da paroquial de Nossa Senhora das Angústias; e que o mesmo Inácio Pereira se transportou para o Rio de Janeiro no estado de solteiro e por isso não sabe com quem casou nem se lembra da ocupação que tinha [...]

Antônio Dutra, marítimo, morador na freguesia de Nossa Senhora das Angústias, de idade que disse ser de sessenta anos, pouco mais ou menos [...] Disse que não conheceu ao nomeado Inácio Pereira do Amaral nem à sua mulher, mas que conheceu algumas famílias com os cognomes de Amaral, sem nota alguma na sua geração [...]

Pedro José Lopes, marítimo, morador na freguesia de Nossa Senhora das Angústias, de idade que disse ser de sessenta e sete anos, pouco mais ou menos [...] Disse que não conheceu o sargento-mor Inácio Pereira do Amaral nem sua mulher, mencionada neste artigo, mas que conheceu algumas famílias nesta vila com os cognomes de Amaral, sem nota, assim no seu procedimento como na sua geração [...]


[folha 64]

2.3) Depoimentos de 14 de julho de 1796 em Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, em casas de morada do reverendo Dr. José Álvares de Sousa, vigário da vara desta vila e seu termo:

Custódio Álvares de Aráujo
Natural do Arcebispado de Braga
De presente morador nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto
Vive de seu ofício de carpinteiro
85 anos
"[...] Disse que haverá 56 anos que é morador nesta Vila Rica [...] Conheceu muito bem a Inácio Pereira do Amaral, casado com Dona Margarida do Nascimento, naturais das Ilhas e moradores defronte da Igreja Velha do Rosário; e haverá trinta para quarenta que se mudara aquela familia desta vila; e lhe consta que, tendo uma filha, saíra [com ela] pequena desta vila e que a casara no arraial dos Carijós com um cirurgião perlesa[?]; ignora o nome não só de sua sra. como do escolhido[?], por serem moradores fora desta vila [...]"

Jerônimo de Sousa Lobo
Natural do Bispado do Rio de Janeiro
De presente morador nesta Vila Rica na Freguesia do Pilar
Que vive do jornal e trabalho de seus escravos
70 anos
"[...] Conheceu muito bem nesta Vila Rica, haverá 60 anos, sendo ainda rapaz, ao Sargento-mor Inácio Pereira, [...] morador às portas do Rosário Velho dos Pretos da Freguesia do Pilar de Vila Rica, que vivia da sua arte ou ofício de pintor; e se lembra pintar a Igreja Velha do Rosário e que tem tindo[?] uma viva lembrança de pintar a São Jorge; que costuma ir à Procissão do Corpo de Deus, nesta vila; e lhe consta que tivera duas filhas, uma que a casara no Arraial de Carijós (nesse tempo; e hoje Vila de Queluz), que presume ser mãe do habilitando, e outra, nesta Vila, fora casada com Domingos da Silva Neves."

O capitão João Martins Maia
Natural deste Bispado de Mariana
De presente morador na Freguesia do Pilar desta Vila Rica
Vive de seu ofício de ceregueiro[?]
75 anos
"[...] Conheceu nesta Vila Rica, houvera 60 anos ou mais, o sargento-mor Inácio Pereira do Amaral, casado com uma mulher branca cujo nome ignora, morador que foi às portas do Rosário dos Pretos do Copunde[?] da Freguesia do Pilar desta Vila Rica; que vivia de ser pintor com a sua fábrica de pretos e rapazes pintores; e sabe mais, que tivera duas filhas e que conhecera muito bem a uma delas, chamada Maria do Ó, que fora depois casada com Domingos da Silva Neves, mercador, moradores que foram na paragem chamada Ouro Preto; e da outra irmã não sabe ele, testemunha, depois que se mudaram desta vila para o arraial de Carijós [...]"

Antônio Marques
Natural do Bispado de Angra [Açores]
Morador nesta Vila Rica na Freguesia do Pilar
Vive do jornal de seus escravos
78 anos
"[...] [conheceu] nesta vila, desde a era de 1751 anos, ao sargento-mor Inácio Pereira do Amaral, morador que foi na rua do Rosário dos Pretos da Freguesia do Pilar desta Vila, natural das Ilhas, casado, e que tinha familia; e vivia dos ofício de pintor; e que casara uma sua filha, cujo nome ignora, com Domingos da Silva Neves, que tinha a sua loja frenteira às casas do falecido Brás Gomes de Oliveira; e que o dito Amaral se mudara com a sua família para o arraial de Carijós [...]"

O Tenente Agostinho Soares
Natural do Arcebispado de Braga
Morador na Freguesia do Pilar desta Vila Rica
Vive de sua lavoura e lavras de minerar
81 anos
"[...] Conheceu o sargento-mor Inácio Pereira do Amaral, morador que foi no Rosario dos Pretos da Freguesia do Pilar desta Vila, casado, com família numerosa [...] vivia do seu ofício de pintor haverá 55 anos e que depois lhe constou mudar para o Arraial de Carijós com a sua família [...]"

8 comentários:

  1. Muito emocionada, quero agradecer imensamente quem fez esta pesquisa e saber seu nome para colocar na minha lista de orações constantes. Ignácio Pereira do Amaral é meu sexto avô, pai de Thereza Angélica de Jesus.
    Há décadas sou estudiosa da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e já descobri muita coisa sobre ela. Imagine que emoção para mim: na restauração da Matriz concluída no ano passado, a restauradora apenas retirou as tintas e deixou as pinturas iniciais, como as portas que sempre foram conhecidas azuis e agora estão verdes. Pena que não houve tempo devido ao prazo estabelecido e alguma coisa não foi feita. Inclusive, das 6 grandes telas pintadas por Schumaker em 1915, focalizando a vida de S. José, nas paredes laterais ao altar-mor, 3 estavam danificadas pelas chuvas e, ao retirar as tintas, apareceram as telas que estavam debaixo e foram vistas por D. Pedro II, em 1831, fazendo ele um comentário em seu diário. Embora eu fosse encantada com as telas de Schumaker, conformei-me com sua perda. Este último, ao pintar a sua versão por cima, trocou os temas e assim ficaram dois nascimentos de Jesus. Achei importante para a história da pintura: o mesmo tema em dois estilos, em séculos diferentes e por pintores diferentes. Essas telas ficaram classificadas como de autor desconhecido. Podem ser do Inácio?
    Tenho pesquisado muito e sonhando descobrir o autor das pinturas do século XVIII, mas nunca podia sonhar que era meu antepassado.
    Mais uma vez, minha eterna gratidão.

    Avelina Maria Noronha de Almeida
    Conselheiro Lafaiete
    avelinaconselheirolafaiete@gmail.com




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    1. Avelina, alvíssaras pelo que você encontrou! É incrível o que acontece por causa da Internet. Bom, quem fez a pesquisa fui eu mesmo, Roberto Belisário Diniz. Eu sou formado em física e atuo na divulgação científica, mas também faço pesquisas genealógicas e ultimamente tenho pesquisado sistematicamente os açorianos que apareceram em Conselheiro Lafaiete na primeira metade do séculO XVIII. Por isso, acabei trombando com o Inácio Pereira de Almeida.

      Vou aproveitar meus comentários à sua mensagem para tecer algumas considerações sobre o Inácio que não pus no texto por serem mais especulativas.

      Eu não entendo nada de pintura, então, enquanto eu construía a narrativa acima, ficava pensando emnque espécie de pintor o Inácio teria sido: se fazia pinturas simples em objetos, paredes, retábulos e estátuas no interior das igrejas ou se era capaz de pintar quadros artísticos como esses debaixo das telas de Schumaker. Afinal, ao que parece, ele vivia de pintar. Como ele tinha uma "fábrica de meninos pintores", e como também foi escultor, é bem possível que seja a última alternativa: um artista. Então acho que existe uma possibilidade bem concreta de ele ser o autor das pinturas por baixo das do Schumaker.

      Infelizmente, a outra igreja que ele pintou, a Igreja Velha do Rosário dos Pretos de Ouro Preto, acho que desapareceu para dar lugar à atual Igreja do Rosário dos Pretos (seria a capela anterior a esta última). Mas há também menção a um "São Jorge" que ele pintou em Ouro Preto (uma estátua? uma tela?). Talvez, contactando historiadores da arte sacra barroca ouropretana, seja possível fazer algum cruzamento inesperado como esse que você fez.

      Além disso, em Conselheiro Lafaiete ele é mencionado também como escultor (nenhuma testemunha mencionou isso em Ouro Preto). Teria sobrevivido alguma estátua de sua autoria? Ademais, foi ourives. Teria ele algo a ver com o folheamento a ouro de peças das igrejas? Eu nunca fui na Matriz de Conselheiro Lafaiete, então só posso especular e formular perguntas.

      Agora, sobre esse título de sargento-mor que ele tinha, creio que seja da Companhia de Ordenanças, que eram tropas auxiliares que podiam ser mobilizadas em caso de necessidade. Não sei como as pessoas eram escolhidas para essas tropas, eu teria que ler mais a respeito. Mas acredito, a partir do que eu já vi em diversos documentos, que deva haver uma relação entre a posição hierárquica do cargo ocupado e a renda ou importância pública da pessoa; e que em tempos de paz tais títulos eram sinal de status.

      Ora, o Wikipedia diz o seguinte, no verbete "Ordenanças": "As ordenanças organizavam-se numa base territorial na qual a principal unidade era a capitania-mor. Cada capitania correspondia ao território de uma cidade, vila ou concelho, estando a cargo de um capitão-mor que era coadjuvado por um sargento-mor." O Inácio era um desses sargentos-mores. Ou seja, ele seria *o* sargento-mor de Carijós (Conselheiro Lafeite), coadjuvando o capitão-mor local.

      Isso indicaria que ele teria conseguido se safar economicamente muito bem com sua fábrica de meninos pintores e com seu trabalho de artesão, artífice e artista. Considerando que seu pai era sapateiro nos Açores, é uma ascenção social e tanto. É outro indício que ele era capaz de fazer obras reconhecidas, pois dificilmente uma atividade de pintor de paredes poderia emancipar alguém dessa forma. Aliás, a menção no Arquivo Público Mineiro de que ele pintou "varas" (o que é isso!?) de almotacés e vereadores pode indicar certa proximidade com o poder.

      Abraços, vamos ver se descobrimos mais a respeito dessas pinturas pré-Schumaker!

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    2. Por outro lado, passado o entusiasmo inicial, é forçoso admitir que a principal fraqueza da minha argumentação acima é a ausência total de qualquer outro indício em prol de Inácio ser o autor das telas debaixo das do Schumaker... Assim, pode também muito bem ser que o pintor das telas por baixo das do Schumaker *não* seja o Inácio Pereira de Almeida. Como me advertiu há pouco um historiador, que leu meu post, a maior parte dos erros de atribuição de obras artísticas históricas deve-se a associações com poucas evidências. Precisamos de mais indícios...

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  2. Roberto:

    Alvíssaras porque encontrei você! É um admirável pesquisador. Que trabalhos maravilhosos os seus! Que belo currículo! E olhe, o que é mais importante: pelo seu sorriso tão alegre, percebi o valor de sua personalidade.
    Agora, estou curiosa com uma coisa: porque você tem pesquisado sistematicamente os açorianos que apareceram em Conselheiro Lafaiete? Tem raízes aqui? Se me der o seu e-mail, vou mandar um link com 5 cadernos de atas, com um mundo de informações genealógicas dessa região toda, copiadas em igrejas e cartórios de Conselheiro Lafaiete por Joaquim Rodrigues de Almeida. Você vai achar um campo vasto. Ponha também no Google: Blogger Avelina Maria Noronha de Almeida e verá os antepassados açorianos que já descobri. Tenho também muita coisa mais à sua disposição.
    Concordo com tudo o que você falou. Sobre varas de almotecés, olhe o que achei:
    Almotacé ou almotacel: antigo funcionário das municipalidades brasileiras, escolhido pelos vereadores
    Vara: espécie de bastão que os almotacés e juízes carregavam consigo quando em correição pela cidade.
    Tenho uma ex-aluna no Museu de Ouro Preto e vou pedir a ela que pesquise se foi guardada alguma dessas coisas.
    A minha hipótese é a seguinte: que o altar mor e os quadros tenham sido obras dele. Como não sou muito boa em lidar com o computador, só sei o arroz com feijão, vou pedir a um neto para me ajudar a enviar para você muitas fotos da igreja, com a reforma que terminou no ano passado. A restauradora tirou várias camadas de tinta para achar a original, que foi a escolhida. As cores atuais são as do século XVIII.
    Gostaria também de presenteá-lo com um livro que escrevi recentemente. Se mandar o endereço enviarei logo. Nele coloquei uma das pinturas encontradas.
    Ascensão e tal foi o meu ramo de Cedros onde havia sapateiros e outras profissões do estilo, havendo entre eles onde o padre escreveu “pedinte” e muitos tiveram as cerimônias fúnebres usadas lá sem pagar nada, porque não tinham dinheiro. Quando chegaram a Carijós tornaram-se esses açorianos poderosos donos de terra.
    Tenho certeza de que, trabalhando juntos descobriremos muita coisa.Vou enviar como anônimo porque não sei lidar com as outras coisas pedidas no comentário.
    Feliz em conhecê-lo, um grande abraço.
    Avelina
    avelinaconselheirolafaiete@gmail.com

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  4. Prezado Roberto:

    Veja o que encontrei sobre as despesas da construção da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Carijós na época de Ignacio Pereira de Amaral.
    Será que traz alguma ajuda ao conhecimento do trabalho do Ignácio?


    DO LIVRO INÉDITO “SUBSÍDIOS DE PESQUISAS FEITAS PELO PADRE JOSÉ DUARTE DE SOUZA NO ARQUIVO PAROQUIAL E NO FORUM DE CONSELHEIRO LAFAIETE, NO ARQUIVO DA CÂMARA ECLESIÁSTICA DE MARIANA, NO ARQUIVO MINEIRO, NO MUSEU DE SÃO JOÃO DEL-REI, para a futura História da Paróquia do Município de Conselheiro Lafaiete
    Na página 03-4
    “[...] Neste segundo livro de receita e despesas da Irmandade do S. Sacramento está todo o histórico da construção, reconstruções e reparos por que a Matriz passou nestes duzentos e tantos anos. Aqui transcrevo ad-perpetuam rei memoriam a ata em que se declara as despesas feitas em 1733. Aos 22 de abril de 1733, nesta igreja de N. Senhora da Conceição do Campo dos Carijós, se pagou a quantia de 150 mil seiscentos e setenta réis por conta dos dois primeiros pagamentos da fatura de Igreja. A) Francisco Joaquim. Eu, Luiz Vieira Carlos, recebi do Provedor e demais Irmãos de mesa deste ano, 70 mil e 80 réis segundo pagamento da fatura da Igreja; pelo que se pagou a Luiz Carlos da obra da Matriz 938 mil 800 réis; pelo que se pagou a Luiz Navarro pelo jornal de seus escravos 33 mil réis; pelo que se pagou de cal que veio da Bocaina 33 mil réis; por cem alqueires ao Madureira 75 mil réis; por duas mil e oitenta telhas se pagou 16200 mil e 18 réis; ao pintor pela pintura da Capela-Mor 170 mil réis; pelo que se gastou de óleo 21 mil 500 e 68 réis; por trinta e seis oitavas de ouro para dourar os painéis cento e onze mil duzentos e cinquenta réis; por uma glosa de ouro ao pintor dois mil seiscentos e oitenta réis; pelo que se pagou dos pregos e dobradiças para os painéis vinte e quatro mil seiscentos e trinta e oito réis; pelo que se pagou pelas 500 brochas para os painéis onze mil duzentos e cinqüenta réis; pelos pregos e algr?vas vinte mil seiscentos e trinta e sete réis; pelo que se deu a quem pregou os painéis 500 réis; pelo que deu a Francisco Rossi pelo engradamento de uma porta para a sacristia cento e onze mil duzentos e sessenta e um réis; por onze varas de aniagem para as lâmpadas dois mil setecentos e oito réis.”
    Sérá que traz alguma ajuda ao conhecimento do trabalho de Ignácio?

    Avelina

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    1. Avelina, acho que podem ser úteis, sim, depende do que for encontrado sobre o Inácio no futuro. Minha impressão é que o Inácio chegou em Conselheiro Lafaite depois de 1733, a data da reforma citada nesse documento. Mas a reforma pode ter sido importante para as pinturas que vieram nos anos seguintes. Então vou guardar esses dados aqui. Obrigado.

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