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quarta-feira, 20 de abril de 2011

Xylella após o sequenciamento: as pesquisas continuam

No ano 2000, o sequenciamento do genoma da Xylella fastidiosa, a bactéria que causa a praga do amarelhinho em 34% dos pomares de laranjas paulistas (dados de 2000), retumbou na imprensa do país. Foi o primeiro fitopatógeno sequenciado no mundo. De lá para cá, vários cientistas tentam desdobrar esse conhecimento em capacidade de combater a praga.

Percebi quanto ainda há nesse caminho quando li um artigo de Luis Eduardo Soares Netto, biólogo da USP. Para explicar minha impressão, devo antes falar algo sobre como acontece a luta da Xylella contra a laranjeira. Quando a Xylella ataca uma planta, esta reage produzindo substâncias capazes de destruir a bactéria. A Xylella, porém, contra-ataca produzindo certas enzimas que neutralizam o ataque da planta. São vários tipos de enzimas - acontece uma verdadeira guerra química nas células da laranjeira.

Naturalmente, saber todo o possível sobre essas enzimas bacterianas é um passo fundamental no aperfeiçoamento de técnicas para combater o amarelinho. Acontece que ainda há grandes lacunas nessa área, apesar do conhecimento sobre o genoma.

Tome-se, por exemplo, um dos principais tipos de enzima da Xylella, as perorredoxinas de classe 1 (há quatro classes de perorredoxinas). Como elas não aparecem em nenhum mamífero, têm potencial para a fabricação de drogas contra o amarelinho que não causem efeito em nós, humanos. Apesar disso, sabe-se muito pouco sobre sua estrutura molecular. No Protein Data Bank, um portal de informações sobre biologia molecular vastamente usado por cientistas, havia pouquíssimos dados sobre a classe 1 até a publicação do artigo de Soares Netto - e, mesmo assim, só foram depositados na época em que sua pesquisa estava sendo feita. Sou físico, não biólogo. Foi quando vi isso que caiu-me a ficha de como é longo o caminho para transformar conhecimento genômico em tecnologia.


Uma pequena grande contribução

O caminho ficou um tanto menor com a pesquisa de Soares Netto. Vou falar um pouco sobre ela. Ela desvendou toda a estrutura molecular de uma das perorredoxinas de classe 1 (na verdade, de uma versão levemente alterada da original produzida pela Xylella, por motivos técnicos). O nome dessa perorredoxinas não é muito bonito: XfPrxQ-C47S. O "Xf" é de Xylella fastidiosa, o "Prx" é de peroredoxina e o "Q" é para distinguir entre as diferentes peroredoxinas; o C47S é para indicar a alteração na versão original. Isto significa que agora se sabe a posição de cada átomo de sua molécula! Uma contribuição bastante substancial para o banco de dados...

A imagem abaixo é um esquema dessa estrutura. É constituída de uma cadeia linear de 159 aminoácidos (as unidades constitutivas de proteínas e enzimas) e 172 moléculas de água. O desenho não distingue cada átomo, mas representa a sequência de aminoácidos por linhas, espirais (indicadas por "α") e fitas ("β", quando eles se emaranham de modo a formar uma fita).

É difícil seguir a série a olho, está tudo muito embolado, mas ela começa na extremidade indicada por "N" e termina na "C"; e há uma interrupção no alto porque dois aminoácidos não puderam ter suas posições determinadas com exatidão (assunto para pesquisas futuras!). Se quiser seguir o "novelo", a sequência é esta: α1-β1-β2-α2-β3-α3-β4-α4-β5-α5-β6-β7-β8-β9-α6. Isto foi feito por meio de cristalografia de raios-X no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas (os raios-X servem para muito mais coisas que tirar chapas radiográficas do corpo humano!).
Os cientistas puderam também montar um modelo provável de como a estrutura molecular da enzima se altera durante a reação química que neutraliza as defesas da laranjeira. O artigo foi publicado em março do ano passado (e contém mais novidades do que comentei aqui). Não pude verificar se houve avanços de lá para cá, mas certamente muita coisa se desdobrará dessa contribuição.

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