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quarta-feira, 11 de maio de 2011

O Homem e o Universo (A. Koestler)

Uma narrativa deliciosa da história da astronomia ocidental, desde os gregos antigos até Isaac Newton, com ênfase nas biografias de Nicolau Copérnico, Johannes Kepler e Galileu Galilei. O título das primeiras edições brasileiras, que seguiram o título original, dá uma ideia da proposta da obra: "Os sonâmbulos" ("The sleepwalkers"). Não é apenas mais uma "demonstração" dos avanços consistentes da ciência astronômica desde seus pais ao longo do tempo. Pois seus primeiros protagonistas não eram cientistas no sentido moderno. Pelo contrário, viviam numa época em que não havia fronteira entre ciência e misticismo. A tônica do livro é a passagem dessa era para a moderna, a da "separação dos caminhos", por trajetórias muitas vezes erráticas.

Kepler é um exemplo cabal dessa época de transição. Procurava explicar o movimento dos planetas com métodos que hoje soariam no mínimo exóticos. Acreditava que esses astros emitiam sons harmônicos inaudíveis por ouvidos mortais. Assim, em seu livro "Harmonia dos Mundos", tentou encaixar regularidades nos movimentos planetários em uma sofisticada teoria musical. Seu livro está cheio de pautas com escalas musicais. Em certo ponto (no parágrafo 8), ele se pergunta - e responde: "Quais planetas cantam soprano, quais contralto, quais tenor e quais baixo?"

No entanto, Kepler pode ser também considerado um dos primeiros cientistas modernos, pois, quando uma teoria não se encaixava perfeitamente no que observava nos céus, ele tentava outra. E procurava acesso aos dados mais precisos disponíveis para testar seus modelos. Isso é uma atitude perfeitamente moderna.

Assim, ele chegou a abandonar a música das esferas para tentar encaixar os cinco sólidos regulares nas órbitas dos planetas. Também não deu certo. O detalhe é que essa atitude levou Kepler a abandonar também descobertas que hoje fazem parte do conhecimento científico e são ensinadas nas escolas. No seu esforço em procurar regularidades, que em certos momentos Koestler pinta com cores de desespero e loucura, consumindo o próprio ser de Kepler, o astrônomo acabou topando com suas famosas leis que descrevem o movimento dos planetas.

Essas leis arrebentavam com a cosmologia da época, pois rejeitavam que os planetas descrevessem círculos (a forma perfeita, bem adequada ao céu, morada divina), mas elipses (espécies de ovais). Na época, pode ter sido algo tão ou mais louco do que a harmonia das esferas parece hoje. Mas foram usadas por Newton quase cem anos depois para demonstrar sua lei da gravidade, por muito tempo um símbolo do sucesso da ciência moderna. Em seguida, Kepler a trocou pelo movimento das esferas, pela teoria dos sólidos regulares e outras.

O livro de Koestler é, assim, também uma narrativa da passagem hesitante e tateante de uma época em que não se fazia distinção entre ciência, religião, misticismo e esoterismo para outra em que uma fronteira estanque foi erguida entre a ciência e o resto (na verdade, isso aconteceu também com a religião ocidental). O capítulo final, "A separação dos caminhos", é dedicado àquele que pode ter sido o primeiro grande cientista no sentido moderno, e também o que simboliza o divórcio entre ciência e religião: Galileu Galilei. Foi dada ênfase no seu conflito com a Igreja. Cartas trocadas entre ele e a Santa Sé estão reproduzidas nas notas no final do volume. Vê-se que muitas vezes Galileu não facilitou muito as coisas para os que queriam botar as coisas em panos quentes no Vaticano.

Arthur Koestler (1905-1983), ensaísta húngaro, crítico feroz do stalinismo, era um escritor estiloso. A narrativa é de prender a atenção. E consegue combinar detalhes biográficos e científicos com um texto fluente, gostoso. Dá cor, espírito e emoção às buscas visionárias dos "sonâmbulos" pelos princípios fundamentais do cosmo. Para gente curiosa, o resultado é explosivo. Lembro-me de ficar agarrado com esse volume enquanto esperava ônibus na rodoviária, de pé, há 20 anos. Por pouco não perdi alguns.

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