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sexta-feira, 29 de abril de 2011

O que ó raios é o bóson de Higgs? E porque tanta gente fala nele?

Quem se liga nesses assuntos talvez tenha tido sua atenção para o casamento de Kate e William quase ofuscada pelas peripécias de uma estranha celebridade: o bóson de Higgs. Nos últimos dias, disse-se e se desdisse que a alcunhada "partícula de Deus" finalmente teria sido descoberta em Genebra, no LHC, o maior acelerador de partículas do mundo. Só que pouquíssima gente sabe o que é esse Higgs, e menos ainda por que está sendo tão caçado.

O bóson de Higgs é a última partícula prevista pela teoria atual da física subatômica (o "Modelo Padrão") cuja existência ainda não foi confirmada por experimentos. A previsão é consequência de um artifício teórico embutido no modelo para explicar por que quase todas partículas subatômicas têm massa. Por isso, diz-se, popularmente, que eles "são responsáveis" pela massa das partículas, ou mesmo do Universo (daí o apelido "partícula de Deus, dado pelo físico Leon Lederman em 1993). Na verdade, é o artifício teórico (chamado "mecanismo de Higgs") que é responsável por isso; a existência dos bósons de Higgs é uma consequência necessária desse mecanismo.

E por que estão todos tão entusiasmados atrás dele? Porque, se não existir, o mecanismo de Higgs também não existe. Logo, a teoria atual estará quase totalmente errada! É difícil de acontecer, pois outras consequências do mecanismo de Higgs já foram observadas. Mas, se for esse o caso, de volta à prancheta de desenho. Ou nem tanto: já há candidatas a teorias alternativas prontas que não prevêem bósons de Higgs, que usam outros artifícios teóricos diferentes do mecanismo de Higgs. Se o futuro reserva algo a elas, é esperar para ver.

Mas eu, pessoalmente, não creio que isso explique todo o auê em torno do Higgs. Há outros fatores em jogo. Um deles é que os físicos estão escaldados desde que o Congresso dos Estados Unidos cancelou a construção do que seria o maior acelerador de partículas do mundo, o SSC (Supercolisor Supercondutor), em 1993. Seria maior até mesmo que o LHC (Large Hadron Collisor, ou Grande Colisor de Hádrons), o maior atual. É preciso convencer os governos a financiarem essas imensas máquinas construídas para escrutinar os fenômenos subatômicos (não é pouco: o LHC é basicamente um anel de 27 quilômetros de comprimento). E a quererem construir outras maiores quando o que já se tem não for mais suficiente. Parece que os físicos foram bastante eficientes em convencer a imprensa de que o Higgs vale a pena.

Além disso, há o "efeito competição". Apenas dois aceleradores são grandes os suficiente para produzir os bósons de Higgs e, portanto, observá-los (se existirem): o Tevatron, em Batavia, Illinois, nos EUA, e o LHC, perto de Genebra, o maior de todos. O caso dos EUA é particularmente sensível porque eles perderam o SSC, que seria maior que o dos europeus. Resultado: está dada a largada.

O fuzuê desses dias foi porque o pessoal do LHC encontrou indícios da existência do Higgs. Isso já aconteceu algumas vezes - indícios já apareceram nos últimos anos tanto no LHC quanto no Tevatron, mas ainda não foram conclusivos. O problema é que alguém colocou num blog interno do laboratório umas afirmações mais afoitas e parte da imprensa interpretou que eles tinham efetivamente encontrado o bóson. Seguiram-se desmentidos juntamente com ótimas análises desse interessante flagrante de como cientistas também são seres humanos (obviamente) - como este do The Guardian e o do blog Questões da Ciência, de Bernardo Esteves.

A busca continua.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Unicamp disponibiliza material didático para a sociedade

A Unicamp acabou de lançar o portal OCW (Open Course Ware), que disponbiliza gratuitamente para a sociedade material educacional de seus cursos, inclusive vídeos. O que acho interessante nisso é que neutraliza um pouco a tendência à convergência de cérebros para as grandes universidades. Pessoas de todo o país vão estudar nos grandes centros e a maioria fica lá, não voltam às suas terras de origem. Os maiores talentos tendem a se esvair da periferia, empobrecendo-a de competências. A disponibilização desse material pelo menos diminui um pouco o efeito.

O nome, OCW, vem do portal do MIT, nos EUA, que inspirou o projeto e cujo conteúdo está sendo traduzido pelo portal Universia (infelizmente, há muitos links quebrados nesse portal). O material do OCW do MIT está livre de direitos autorais. Há outros portais semelhantes, como o Connexions, da Universidade de Rice, também nos EUA, com conteúdo sob o Creative Commons.

Essas duas iniciativas estadunidenses podem produzir efeito semelhante de neutralizar a fuga de cérebros de países em vias de desenvolvimento para países desenvolvidos, o que é um problema muito sério em várias regiões. Na África, por exemplo, há preocupação dos governos em fazer voltar seus estudantes, que ficaram na Europa ou nos EUA e que são parte importante da chamada "diáspora africana".

Ainda são poucas disciplinas presentes no OCW da Unicamp, pois o portal acabou de ser lançado e está disponibilizando o material continuamente. Já há conteúdo disponível espalhado pelos sites da universidade, mas é muito difícil para alguém de fora ou mesmo de outras unidades da Unicamp encontrá-los. O portal unifica o acesso.

Neste momento, a maioria é das exatas. Quando se clica em uma das disciplinas, textos, vídeos e slides podem ser encontrados no link "Plano de disciplina". Na disciplina "Programação orientada a objetos", por exemplo, há vídeos de mais de uma hora com aulas inteiras. A imagem no início deste texto mostra uma cena de um desses vídeos. A disciplina "Fisiopatologia integrada" contém links para páginas com grande número de material didático sediado no site das Faculdades de Ciências Médicas. Alguns conteúdos estão sediados no próprio site do portal, como um PDF de 149 páginas sobre "Questões Conceituais e práticas da determinação e gestão de custos", da disciplina de "Metodologia de Análise Econômica I".

Creio que a quantidade desse tipo de material tende a aumentar exponencialmente nos próximos meses. Prato cheio para curiosos (eu!). Espero que a iniciativa prolifere pelas instituições de ensino superior brasileiras de modo igualmente exponencial.

Mais informações: Agência Fapesp, Inovação Tecnológica.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Física e filosofia segundo Heisenberg

A mecânica quântica trouxe para o centro da física paradoxos filosóficos até então restritos à metafísica: pôs em questão o princípio da causalidade, a natureza do observador, o conceito de existência e até mesmo a relação entre a consciência e os fenômenos físicos. Alguns, como o problema da consciência, já foram razoavelmente "domados", mas a maior parte permanece até hoje.

Assim, pode ser muito interessante conferir a visão sobre tudo isso de alguém que esteve no núcleo dos acontecimentos no principal período de construção da teoria quântica e um dos mais intensos de debate entre esses paradoxos, nas décadas de 1910 e 1920.

É isso que Werner Heisenberg faz no livro "Física e filosofia", publicado no Brasil pela editora da Universidade de Brasília. Ele expõe nesse volume o que pensa da física moderna sob vários pontos de vista - físico, filosófico, histórico e até linguístico. Heisenberg não é um qualquer mesmo entre o seleto time dos que fizeram a teoria quântica. Ele foi sozinho o autor da primeira versão completa da mesma, chamada "mecânica matricial", da qual ainda se usa muitos elementos, e também do famoso "princípio da indeterminação", que produziu tantos esclarecimentos quanto problemas sobre a relação entre o observador e o objeto observado e sobre a quebra do princípio da causalidade.

Entre os capítulos mais interessantes, estão sua narrativa da história da construção da mecânica quântica e sua visão da interpretação mais aceita da mesma, a "Interpretação de Copenhague" (também dedica um capítulo a seus críticos). Apesar de Heisenberg não ter participado ativamente dos famosos debates filosóficos entre Einstein e Niels Bohr sobre a natureza e a interpretação da teoria, ele teve papel central no seu desenvolvimento epistemológico. Heisenberg estava "do lado" de Bohr nesse debate. Einstein acreditava que a teoria estava incompleta, pois não concebia que a lei da causalidade pudesse ser quebrada ("Deus não joga dados", afirmou). No entanto, as evidências mais recentes apontam que Bohr e Heisenberg provavelmente estavam certos.

Outra parte muito atraente são dois capítulos nos quais ele coteja a física moderna - não só a quântica, mas também a teoria da relatividade - com diversos estágios da filosofia ocidental, desde os gregos pré-socráticos até a metafísica sobre o espaço e o tempo de Immanuel Kant (1724-1804). Heisenberg é de uma geração ainda não presa nas fronteiras rígidas de uma fragmentação estanque do conhecimento em suas diferentes áreas. No capítulo sobre a relação da quântica com outras áreas do saber, discute como os conceitos dessa teoria podem se articular ou se comparar com outras áreas da física, da química, biologia e até da psicologia e da arte.

Mais adiante, discute as consquências dos paradoxos que a física moderna levantou para as teorias da linguagem e da lógica. A razão da ligação é que vários paradoxos aparentemente insolúveis da quântica aparecem porque, quando descrevemos o mundo subatômico, usamos os mesmos conceitos que quando falamos do mundo macroscópico: posição, partícula, velocidade, trajetória etc. No entanto, essas entidades tão básicas comportam-se de forma radicalmente diferente no micromundo. Os resultados são chocantes, tais como uma partícula estar em vários lugares diferentes ao mesmo tempo; ou então simultaneamente existir e não existir. Devemos usar outra lógica, outra linguagem ou conviver com os paradoxos?

Há cientistas que tentaram desenvolver linguagens e lógicas alternativas para se poder falar da física subatômica, como Carl von Weiszäcker. Reflexões de lá para cá diminuíram a agudeza de parte dos problemas (ou talvez as pessoas tenham se acostumado com eles), mas aumentaram a de outros.

Finalizo com um depoimento pessoal. Este foi um dos dois ou três livros que mais influenciaram minha própria visão sobre a mecânica quântica. E o capítulo sobre os pré-socráticos foi uma iniciação filosófica que me atiçou a curiosidade sobre esse grupo de filósofos a ponto de nunca mais deixar de ler sobre eles. O mesmo aconteceu sobre Kant e outros.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Elegância científica: a estética das teorias físicas

Muito entusiasmo existe ao redor da teoria das supercordas, que pretende unificar a mecânica quântica e a relatividade geral, duas teorias em que a física atual está inconciliavelmente cindida. A coisa interessante é que essa teoria unificadora não foi feita a partir de dados experimentais novos, como geralmente acontece. É um construto teórico puro. Então por que seus entusiastas têm tanta convicção de que ela esteja correta? Por que acham que ela sobreviverá quando for possível testá-la com experimentos?

O motivo está no conceito de elegância de teorias físicas. Certas teorias e demonstrações matemáticas contêm um tipo específico de beleza capaz de extasiar um espírito que as saiba contemplar. E modelos científicos que não partilham dos elementos dessa peculiar estética chegam a ser desprezados pelos cientistas (apesar de o argumento último ser sempre a concordância com os resultados de experimentos).

Não é o mesmo tipo de beleza visual que encontramos, digamos, em uma paisagem natural. Mas pode ter algo em comum com a "beleza conceitual" de uma obra de arte abstrata, ou com o prazer intelectual que um expert em pintura ou em música pode sentir ao perceber os artifícios que o autor usou com maestria para chegar àquele resultado.

No entanto, há na elegância na física também uma dimensão prática que permite aos cientistas usarem-na para selecionar suas teorias. O conceito foi popularizado entre os leigos pelo livro de Brian Greene, "O Universo elegante". Vou tentar transmitir ao leitor uma percepção do que seja isso por meio do exemplo da teoria da relatividade especial, feita por Einstein em 1905.


A elegância absoluta da relatividade especial

A teoria da relatividade especial é aquela do E = mc², a equação que exprime a equivalência entre matéria e energia. Note que é uma equação bem compacta. Primeiro, vamos apreciar a disparidade entre a simplicidade dessa equação e a quantidade de conceitos que ela embute.

A equivalência entre massa e energia por si só já é uma consequência surpreendente da relatividade. A equação implica em que energia tem inércia e também peso. E também que matéria pode ser transformada em energia e vice-versa. Tudo isso sintetizado em três letrinhas e um número. Esse tipo de grande poder de síntese é um elemento importante na estética das teorias físicas.

Além disso, com ela pode-se explicar vários fenômenos aparentemente distintos. Com a relatividade, mostrou-se que os princípios físicos que explicam a fonte de energia que mantém as estrelas e o Sol brilhando por bilhões de anos são os mesmos que governam o fenômeno da radioatividade, que são os mesmos que governam os reatores de usinas nucleares.

Há mais. Uma teoria possui algumas premissas, a partir das quais se demonstra o restante. Teorias elegantes possuem premissas simples e ao mesmo tempo profícuas. Teorias "feias" introduzem premissas ex-machina a todo instante para poderem salvar-se (em geral, estas são descartadas). Bem, as premissas da relatividade especial são extraordinariamente simples:
  • As leis da física independem da velocidade do observador
  • A velocidade da luz no vácuo é sempre a mesma para qualquer observador
A primeira parece óbvia; a segunda é bem menos intuitiva. Mas o importante aqui é que é possível extrair todo o conteúdo da relatividade especial daí, tais como a própria equação E = mc² e a relatividade do tempo (observadores diferentes vêem o fluxo do tempo passar diferentemente). No caso das supercordas, uma de suas características mais elegantes é que existência da força da gravidade não precisa ser postulada, ela emerge naturalmente de seu formalismo matemático.

A relatividade especial possui também uma incrível elegância matemática: é possível fazer tudo isso - extrair todas essas consequências daquelas premissas simples - com cálculos curtos com apenas a matemática do ensino médio! Quando eu vi essa demonstração pela primeira vez, tanta coisa emergindo de repente de tão pouco, tive uma de meus mais inesquecíveis momentos de prazer estético-intelectual.

Não que a matemática de uma teoria elegante tenha que ser tão básica: em geral, é bastante sofisticada, mas, se for possível escrevê-la de forma simples e que proporcione demonstrações poderosas e diretas, isso já é mais que suficiente.

Finalmente, a relatividade possuía um enorme poder preditivo. Quando foi formulada, nenhum desses fenômenos - inércia e peso da energia, relatividade do tempo, possibilidade de transformar energia em matéria - nada disso era conhecido. Todos foram previstos. Uma teoria elegante é capaz de prever muitos fenômenos diferentes novos.

No entanto, é importante lembrar que a teoria da relatividade não é considerada correta porque é elegante, mas sim porque suas previsões concordam com as observações feitas em laboratório. Esse é (ou deveria ser) o tira-teima definitivo de uma teoria física.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Experimentos com tempo psicológico

Sim, isso é uma verdade: por alguma razão, o tempo parece passar cada vez mais rápido. E isso me incomoda. Muito. O que se pode fazer a respeito?

Era fevereiro de 1992 e eu estava muito aborrecido com a velocidade com que as férias passavam. Quando eu era criança, pareciam demorar muito mais! Então comecei a procurar as causas dessa diferença de percepção temporal. Como evitar a sensação de que minha vida estivesse indo embora por entre meus dedos?

Tirei duas conclusões.

A neura do tempo - Primeira. Em tudo que eu fazia, eu estava quase sempre com o olho no relógio de pulso, mesmo que não houvesse prazo envolvido. A cabeça sempre no futuro, que horas são, quanto tempo falta, quanto tempo passou.

Por outro lado, pareceu-me que, quando eu brincava quando criança, estava com a cabeça focada totalmente no presente, naquele momento.

Então minha primeira providência foi simpesmente parar de usar relógio de pulso, esse chamariz de assaltantes. Mas como saber as horas?? Ora, estão em todo lugar: no canto inferior direito da tela do computador, no braço do cara sentado ao seu lado no ponto de ônibus, no mostrador no meio da rua, no seu celular...

Além disso, quando deixei de usar relógio, rapidamente comecei a desenvolver um sentido de tempo intuitivo. Passei a saber mais ou menos quanto tempo passou sem precisar consultar nada.

Não se preocupe, você não vai chegar atrasado se não usar relógio no braço...

Sem falar que muitas vezes a gente simplesmente não precisa olhar as horas. Você saiu de casa às 14:00, certo? Para que ficar consultando o relógio a cada minuto até chegar no seu destino? Senti-me muito melhor depois que comecei a desencanar-me do tempo nesse tipo de situação.

Rotinas, dias iguais - A segunda conclusão veio de uma observação. Há dias em que, à noite, parece que a manhã foi no dia anterior. O que esses dias têm de especial é que neles eu faço coisas muito diferentes de manhã e de tarde. Acontece muito quando chego de viagem de manhã, leio o noticiário até o almoço, trabalho de tarde e saio para algum lugar de noite, por exemplo.

Por outro lado, as rotinas parecem fazer os dias ficarem muito parecidos uns com os outros. O dia de hoje fica muito semelhante ao dia de dois meses atrás - e a percepção temporal pode ser muito afetada por isso; a gente olha para o passado e parece que não passou tempo nenhum entre os dois momentos. Talvez, se eu arrumasse um jeito de individualizar melhor meus dias, poderia alargar minha sensação de tempo.

Tentei individualizar meus dias anotando a cada dia um evento que o distinguisse. Um dia eu vi um cara quase cair da bicicleta na rua, anoto: "12/02/1992 - Um cara quase caiu da bicicleta na rua". No outro dia vi um filhote de cachorro branco perdido na universidade, escrevo isso. Da minha experiência com isso, digo o seguinte: é impressionante a quantidade de coisas interessantes que vemos acontecer quando as procuramos.

Dá certo - Comecei a fazer isso no dia 12 de fevereiro de 1992. Resultado? Sensacional! O tempo que passou dali até o fim das férias pareceu bem maior do que o tempo desde o início delas até ali! Fiquei muito surpreso.

De lá para cá, venho adotando essas estratégias (nunca mais usei relógio) e têm funcionado muito bem.

Certamente deve haver muitos estudos bem mais sistemáticos sobre a percepção temporal. Por enquanto, fico com esses experimentos pessoais. Pessoais, detalhe. Pois outras pessoas podem ter diferentes soluções - ou simplesmente preferirem que o tempo "interior" passe mais rápido.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O poder do zero: experimentos que não encontram nada podem nos ensinar muito

Quando físicos encontram algo diferente em seus experimentos, pode dar notícia de jornal. Quando não encontram nada, bem... Também pode! Esta postagem do Igor Zolnerkevic no seu blog Universo Físico dá três exemplos recentes, um dos quais mereceu até menção no New York Times.

Resultados nulos podem causar revoluções - O caso mais famoso de resultado nulo para um experimento talvez seja o da experiência de Michelson-Morley, na década de 1880, que produziu nada menos que uma das principais bases empíricas da teoria da relatividade. Acreditava-se então que a luz era uma onda que se propagava em um meio material a que chamavam éter e que permearia todo o espaço em todos os seus interstícios. O experimento procurou detectar qual a velocidade da Terra em relação ao éter. O pano de fundo era uma incompatibilidade aparentemente insolúvel entre a mecânica e o eletromagnetismo. Um dos dois tinha que estar errado.

Para medir a velocidade da Terra em relação ao éter, observaram diferenças na velocidade da luz vindas de diferentes direções. Se a velocidade fosse maior numa direção, é que a Terra estaria se deslocando para lá - assim como a velocidade de um carro na estrada é maior em relação aos automóveis que vêm em sentido contrário. Mas... não encontraram diferença alguma para qualquer direção! Como poderia ser isso? Após excluírem algumas possibilidades, o resultado sustentou o "vencedor" para a queda-de-braço entre mecânica e eletromagnetismo: este último estava certo e a velha mecânica newtoniana teve que ser alterada, sendo substituída pela relatividade quando velocidades são muito grandes, próximas à da luz.

Claro que resultados nulos que desafiem teorias vigenetes podem ser apenas uma ilusão, um erro de experimento, uma coincidência. O terceiro exemplo do texto do Universo Físico trata disso, na área da astrofísica. O contrário também pode ser verdadeiro: achados extraordinários podem revelar-se, após uma análise mais cuidadosa, serem apenas variações estatísticas normais sem maiores significados. Disso trata o primeiro exemplo, sobre aparentes indícios de uma força física desconhecida. Ambas precisam de mais investigações para se tornarem conclusivas.

Para evitar essas armadilhas, foram desenvolvidas técnicas estatísticas sofisticadas de análise dos dados e também a necessidade de posturas muito cuidadosas. Não poucos cientistas que se entusiasmaram demais antes do tempo tiveram que aceitar calados um desmonte fulminante de suas esperanças. Isso pode ter acontecido recentemente na área da cosmologia com um dos maiores físicos da atualidade, Roger Penrose (vide os dois últimos parágrafos deste post). Outra controvérsia do tipo, sobre o efeito do acesso livre a artigos científicos sobre o número de citações dos mesmos, é comentada nos dois últimos parágrafos da primeira seção desta outra postagem. Mesmo nesses casos, os resultados aparentemente nulos nos ensinam sobre como aperfeiçoar os métodos científicos.

Resultados nulos podem aumentar o conhecimento - Resultados nulos podem também, paradoxalmente, nos fornecer informações a mais. Desse tipo é o segundo exemplo comentado no texto do Universo Físico, sobre a matéria escura. Já em outra postagem no Ciências e Adjacências, no final do texto, falo sobre um experimento para detectar os bósons de Higgs, partículas previstas pelo modelo teórico atual mas ainda nunca observadas. A teoria não diz qual deva ser sua massa, só sabemos que é grande demais para serem produzidos pelos aparelhos atuais. Pois eis que o dito experimento detectou... nada.

Não significa, porém, que o Higgs não exista. Ao invés, com esse experimento pôde-se prever sua massa de forma mais precisa. Como não se sabe sua massa, são feitos vários experimentos, supondo diferentes valores para ela. Cada vez que o bóson não é encontrado, aprendemos que, se existirem, eles não terão aquela massa procurada. Por exemplo, antes achava-se que a sua massa deveria estar entre 123 e 198 vezes a massa de um próton. O novo experimento conseguiu excluir a faixa entre 160 e 170 "prótons". E assim os resultados nulos vão aumentando nosso conhecimento que a teoria não é capaz de fornecer - pelo menos, o "conhecimento hipotético". Vai-se "fechando o cerco" ao bóson de Higgs.

P.S. - Os resultados nulos ou "negativos" de experimentos são tão importantes que o Roberto Takata me enviou os links de três periódicos científicos inteiramente dedicados a resultados negativos em Biologia e Ciências da Saúde:

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Fique por dentro da física moderna

Várias pessoas curiosas a respeito da mecânica quântica já me pediram sugestões de livros acessíveis a leigos. Para quem vê o assunto pela primeira vez, costumo indicar o de John Gribbin, "Fique por dentro da física moderna", editora Cosac & Naify (2001).

Não foi fácil escolher. Em geral as obras de divulgação sobre quântica e relatividade ou são demasiadamente complexas - por mais que seus autores não achem - ou são simples mas contém imprecisões demais - em geral, na forma de metáforas mal formuladas. De fato, a simplificação tende a prejudicar a precisão, e o excesso de precisão pode impedir a inteligibilidade.

No início, eu simplesmente não tinha opções que me pareciam satisfatórias para sugerir. Até descobrir esse livrinho. Creio que o astrofísico e divulgador científico britânico John Gribbin achou, em suas obras, um jeito de explicar a física de forma extremamente acessível e ao mesmo tempo suficientemente precisa, que atingiu seu ápice neste volume.

Esse livro não e só sobre mecânica quântica: cobre também as teorias da relatividade, a cosmologia e a física das partículas e tem uma introdução sobre a física clássica (pré-relatividade e pré-quântica), necessária para se compreender o que veio a seguir. A preocupação é em explicar os conceitos. Um ponto fraco está justamente em falar muito pouco sobre as bases experimentais das teorias.

A acessibilidade não vem só do estilo do texto, mas também do formato. Cada par de páginas é quase autocontido, com um conjunto de pequenos textos e boxes com explicações adicionais, palavras-chave ou pequenas biografias dos cientistas envolvidos. O leitor pode seguir o livro da primeira à última ou deliciar-se folheando-o e se detendo no que lhe der mais prazer. Eu sugiro ambas simultaneamente: uma leitura sequencial ao mesmo tempo em que o leitor explora as páginas do resto do livro, totalmente à mercê de sua própria curiosidade.