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domingo, 27 de março de 2011

Muito além da Hora do Planeta

Não participei da Hora do Planeta - a mobilização global promovida pela ONG WWF para apagarem as luzes de casa ontem à noite durante uma hora - porque para o meu caso não faria diferença nenhuma. Aliás, essa iniciativa global foi amplamente bombardeada na blogosfera cientifica brasileira (exemplos aqui, aqui e aqui, reunidos no Twitter @ciencianamidia, de Tatiana Nahas; vejam também os links dentro deles e os comentários).

Não concordo nem de longe com tudo o que foi dito nesses posts, mas gostaria de enfatizar um ponto em comum: que ações pontuais como essas - do modo como são feitas - podem servir mais como anestésico, um gerador de sensações de dever cumprido, do que para conscientizar quem quer que seja. Trata-se de um problema comum das comemorativas, de atos conscientizadores fugazes e coisas do tipo.

Claro que não são de todo ruins: contribuem para que as causas permaneçam na superfície da mente das pessoas e da mídia. Veja-se, por exemplo, a grande mudança de comportamento causada pelo racionamento de energia de 2001/2002. Hoje tudo foi esquecido e o desperdício parece ter voltado ao normal, em boa parte por pura falta de algo que lembrasse as pessoas - debates, eventos, anúncios. A diferença com o caso da reciclagem de lixo, que colou, é flagrante.

Mas há pelo menos três grandes dimensões prejudicadas por esse efeito "anestésico".

Primeira: o ideal seria que esses eventos fossem usados para que as pessoas começassem a fazer algo e não parassem mais. Não é para fazer algo simbólico na Hora do Planeta, é para começar a fazer algo concreto e não parar mais! Neste post sobre o Dia da Mulher, desenvolvo um pouco esse aspecto.

Segunda: é importante a mudança de comportamento individual, mas só isso não basta. Metade do problema ambiental é, na verdade, político. É por aí que passa a formulação de políticas públicas para enfrentar tais questões e é por aí que passa o enfrentamento dos lobbies tradicionais estabelecidos. No plano internacional, as dificuldades com a implementação do Protocolo de Quioto e com o estabelecimento de seu sucessor são bons exemplos.

Terceira: uma hecatombe ambiental não destruirá o planeta nem a biosfera, senhores (as extinções recentes são café pequeno para o que a Terra já passou). E nem mesmo a humanidade. Destruirá, isso sim, o modo de vida como o conhecemos. Mas, como tudo na vida, isso também é desigual. A destruição do estilo de vida já está acontecendo, em nível dramático, nas chamadas comunidades tradicionais. Alguns casos aparecem na mídia, como o dos quilombolas de Alcântara, ou alguns de atingidos por barragens, ou os pescadores do rio Madeira. Mas a maior parte é amplamente desconhecida e são tragados pelo desenvolvimento. Não só pela destruição de seus habitats. Guerras como as de Darfur e a da Palestina têm grande componente de escassez de recursos. O problema ambiental é, fundamentalmente, um problema humano.

"Justiça ambiental" e "Ecologia política" são boas expressões-chave para buscar abordagens e informações sobre essa terceira dimensão.

De qualquer forma, paradoxalmente, a Hora do Planeta serviu para intensificar um debate - este do qual participaram os três blogs que citei no começo, e também este texto. Que o debate continue e que a Hora do Planeta não tenha sido em vão.

2 comentários:

  1. Olá Roberto,

    Concordo em grande parte com o seu comentário. Mas fico triste de lembrar que o debate não foi intensificado. Cada vez mais acho que "pregamos" para os que já tem pensamento crítico.

    Duvido que alguém que apagou a luz da sala por 1 hora gostaria de discutir o assunto de forma profunda. As pessoas apagam a luz por 1 hora acham que já estão fazendo sua parte. O que é relamente uma pena. É difícil lutar contra essa sensação de prazer de "estar contribuindo com o planeta". A busca desta sensação é culpa única e exclusivamente das ONGs ambientalistas. Elas preferem ter um batalhão de pessoas contribuindo com suas ONGs do que realmente mudar alguma em escala global.

    Mas não podemos perder as esperanças.

    Abraços.

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  2. Olá, Luiz. Sim, esse é um problema: o risco de estarmos sendo ouvidos só por quem não precisaria nos ouvir... No entanto, há uma permeabilidade entre as mídias - o que é dito em uma mídia presumivelmente mais elitizada pode acabar se difundindo para outras, sem que percebamos. Um exemplo é o que acontece com a TV: outro dia li, num livrinho sobre jornalismo de cujo título não me lembro, que boa parte da pauta do noticiário televisivo vem da pauta do jornal impresso. O jornal impresso não define o que a TV vai dizer sobre tal assunto, mas tem forte influência sobre quais assuntos ela vai abordar. Assim, creio que as ideias centrais daquela parte da blogosfera com textos mais críticos e maiores pode migrar vagarosamente para outras mídias e a longo prazo influenciar a sociedade como um todo, mesmo que seja lida por poucos. É como aprender piano: a gente não vê resultados imediatos a cada estudo, mas chega uma hora em que, surpresa!, estamos tocando..!

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